O clássico do café: Maringá e Londrina e o basquete invisível

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Publicado em: 13/09/2009

Ao longo dos últimos cinco anos de site, devo ter escrito mais de 200 “recaps” de jogos que acompanhei pela TV. Já elogiei gênios como Kobe, LeBron, Navarro, Diamantidis, Papaloukas, Ginóbili, Nowitzki, Gasol, etc.  Critiquei em boa medida outros tantos talentosos jogadores, dos mais variados níveis.

A cobertura da tarde do último sábado, porém, me tirou do conforto do sofá e me apresentou à dura realidade do basquete invisível. Se por um lado, o Brasil já é um cenário extremamente alternativo para o basqueteiro mundial, se comparado com o europeu e a NBA, o que dizer do clássico do café que abria o calendário das equipes na Copa Sul?

Traremos ainda esta semana uma análise mais trabalhosa sobre a equipe de Londrina, suas aspirações no NBB, quais expectativas, quais os defeitos e qualidades do time que por ser novo, traz certa curiosidade na comunidade do esporte no Brasil a imaginar o que pode ser feito já nessa temporada no principal campeonato da modalidade no país.

Nesta crônica, porém, tento tratar do basquete invisível, representado pelos meus conterrâneos à margem do profissionalismo, “tirando leite de pedra”, como bem definiu Jamison, antigo ala de Vasco, Bauru e outras equipes brasileiras, único veterano e forasteiro da equipe comandada pelo treinador Saulo, o principal formador de atletas da cidade e mantenedor da bola laranja por essas bandas.

A começar, temos que contar do jogo, que foi vencido pela equipe de Londrina por 82-78 em um jogo de nível técnico dentro do esperado para o que representa (tendo momentos, inclusive, que até superou as expectativas, sobretudo o segundo tempo). Decidido apenas a 20 segundos do fim, em um rebote ofensivo de Bernardo Guimarães, o jogo teve inúmeros destaques. E dois cestinhas: Brunão, por Maringá e Guilherme Filipin, por Londrina. Não estavam disponíveis os números dos rebotes. O jogo foi realizado num ginásio menor, improvisado, na lateral de um complexo maior daquilo que é chamado sem muito rigor de Vila Olímpica em Maringá. Um público de pouco mais de 100 pessoas acompanhou o jogo.

Público de um improvisado ginásio Valdir Pinheiro

Quando no fim do jogo, desci para falar com os londrinenses e coletar algum material sobre a estreante no NBB (o material, como já disse, vem depois), resolvi dar alguma atenção aos meus conterrâneos, mais pelo respeito que temos que ter pelo trabalho realizado do que na tentativa de conseguir alguma grande informação relevante para trazer aos nossos leitores.

Quando o time de Londrina já caminhava ao ônibus que os levaria de volta, vitoriosos, ainda restavam Saulo, Jamison e Robinho no ginásio. Enquanto o primeiro, o treinador, me contava que todos menos Jamison foram formados por aqui e que a empreitada ousada para participar da liga de Oscar havia saído cara demais (e que até pouco tempo ainda arcavam com os custos daquela tentativa de reerguimento do basquete da cidade), o veterano desmontava a estrutura que mantinha ligada o relógio de 24 segundos e o ala-pivô que com algumas enterradas levantou a torcida ajudava a desmontar toda a pequena infraestrutura montada para receber o basquete daquela tarde.

Essa crônica não é sobre o basquete de alto nível, tema mais comum nesta página. Fosse, poderia apenas dizer que o time do Londrina precisa se reforçar muito mais se quer jogar um bom NBB e que do time maringaense, há meia dúzia de jovens com condições de se tornarem profissionais para colaborar, uns mais, outros menos, com equipes profissionais espalhadas pelo país (destacaria o já citado Robinho (número 7), Thiago (número 13) e Brunão (número 15), o trio de “frontcourt” que deu muito trabalho para um time bem mais forte fisicamente como o de Londrina).

Foto de Valmir de Lara no site do Basquete de Campo Mourão.

O espaço aqui porém, hoje, é do basquete invisível. Desses profissionais que, sem grandes condições e à margem de grandes projetos e dos grandes recursos públicos ou privados, dedicam a vida na manutenção do esporte que aqui cultuamos diariamente. Gente como Saulo, que me contou das dificuldades de treinar uma equipe em apenas um período, tentando fazer com que os jogadores conciliem trabalho e estudo.

Gente como Jamison (número 12), que atrasa a aposentadoria reduzindo o tempo de treino e de quadra, para conseguir seguir a vida. Aliás, saudoso, o ala me confessou que os melhores momentos da carreira ele passou no Vasco, onde viu florescer o talento de Nenê, lembrando que o hoje ala-pivô do Nuggets era o primeiro a chegar e último a sair. Hoje, orgulhoso, conta da carreira de treinador para a qual se prepara que já dá os primeiros passos em uma escola particular da cidade. Em um longo papo, ao apazar das luzes (literalmente), elogiou o trabalho de Moncho e criticou a falta de estudo dos treinadores. Quando lhe contei da Área Técnica/Coach Corner que disponibilizamos nosso site, se empolgou. Profissional em formação, ele sabe que o jogo deve ser jogado em alto nível, com o cérebro. Por isso, elogiou o segundo tempo da partida de ontem, partida na qual o jogo foi mais cerebral do que puramente reflexivo.

Gente como Robinho, que não é nem de perto o mais talentoso do time, mas é de longe o mais batalhador. Se jogou no chão uma dezena de vezes, distribuiu tocos, cavou faltas de ataque, roubou bolas, enterrou e fez o que pôde pra manter a equipe no jogo, mesmo enfrentando jogadores visivelmente mais fortes. Enquanto enrolava os fios depois do jogo, dei-lhe parabéns pela partida, e ele, sem conseguir sorrir, ainda abatido pelo resultado, agradeceu. Enquanto me despedia, ele ganhou uma carona de Jamison até o terminal rodoviário da cidade para voltar pra casa.

Ênio Vecchi e Saulo discutem com arbitragem

Histórias, as três, que, não tenho dúvidas, devem se repetir diariamente ao redor deste país gigante em que vivemos. Enquanto isso, carentes de uma política que consiga direcionar toda essa incrível profusão de talentos espalhados sem quase nenhuma estrutura que os abrace, vivemos sem conseguir atingir nem metade do potencial que podemos. Se detectarmos que nos últimos anos, os nossos principais ídolos só conseguiram atingir todo potencial técnico se lapidado no exterior, não é apressado dizer que vivemos da caridade de quem nos detesta.

Que os formadores, os futuros formadores e os formados façam como Saulo, Jamison e Robinho e outros tantos profissionais do basquete que vivem invisíveis pelo país: contrariem a lógica, não desistindo.

Guilherme Tadeu de Paula (guilhermetadeudepaula@gmail.com)

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