Como diz o ditado, persistir no erro… pelo prof. Paulo Murilo
O texto que segue foi escrito pelo Professor Paulo Murilo em setembro de 2004 e trás a memória várias coisas sobre um tempo que já foi. Mas dá para se ver claramente o quanto mudou a realidade do basquetebol brasileiro nesses últimos quatro anos. Espero que isso sirva de lembrança para aqueles que acreditam que tudo vai melhorar para 2012 e de certa forma torceram contra a seleção brasileira diante da Alemanha.
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Basquete Brasil
11 Setembro 2004
Por 44 anos venho lutando pelo basquetebol no Brasil, e gostaria de fazer desta página um forum de discussão acêrca dos diversos motivos que levaram essa modalidade ao retrocesso que constatamos, infelizmente, em nosso país. Para dar partida peço licença para,na forma de um pequeno artigo, expôr algumas constatações que ao longo dos anos testemunhei como técnico e professor de futuros técnicos.
Em 1963, no Ginasio Gilberto Cardoso no Rio de Janeiro, a equipe masculina do Brasil sagrou-se bi-campeã mundial em uma final com os Estados Unidos, resultado que muitos e atuais jogadores, técnicos, jornalistas e dirigentes teimam em minimizar a qualidade do basquete praticado na época. Na equipe americana seis dos jogadores se profissionalizaram na NBA, onde atuaram por mais de 6 anos, sendo que um deles, Willis Reed, faz parte do Hall da Fama como um dos cinco maiores centros de todos os tempos com suas atuações no New York Knicks.
Na equipe brasileira atuavam maravilhosos jogadores com Amauri, Wlamir, Rosa Branca, Ubiratan, Menon, Jatir e muitos outros que fizeram do jogo um espetáculo inesquecível. Quatro deles arremessavam de distâncias equivalentes à linha dos três pontos atuais, Jatir, Vitor, Rosa Branca e Amauri, o fazendo com uma bola de 18 gomos costurados à mão, com uma esfericidade que nem de longe se comparavam às verdadeiras jóias tecnológicas das bolas atuais, corrugadas e com sulcos profundos onde os dedos encontram base e aderência para exercerem total domínio direcional nos arremêssos.
Tivessem na época tais bolas e uma linha de três pontos todas, afirmo, todas as vitórias da equipe brasileira teriam ultapassado os 100 pontos. Jogavamos com dois armadores, dois alas e um centro, num rodízio permanente de posições, compensando com velocidade e astúcia a inferioridade na altura, principalmente os centros. Jogava-se com a bola nas mãos, em pleno domínio da arte do drible, onde os passes faziam a ligação que antecedia o arremêsso, e sempre com um mínimo de três jogadores participando dos rebotes. Por anos dominamos a arte do drible e dos rápidos corta-luzes, onde os armadores dominavam a maior das habilidades, criar espaços onde não existiam, progredir em direção à cesta, estabelecer a superioridade numérica sempre que possível, arremessar como opção, e não como prioridade.
Os alas e o centro em permanente rodízio iam sempre de encontro ao passe e não esperando por ele estáticamente.Antecipando o movimento sempre conseguiam o melhor posicionamento ofensivo, obrigando os defensores a se movimentarem e por conseguinte desestabilizassem suas ações. Enfim, jogava-se com a bola sob domínio físico e não, como hoje, sob o dominio do absurdo passing game.
No final dos anos setenta e inicio dos anos oitenta a NBA se encontrava numa fase de afirmação econômica. Era necessário levar público aos ginásios, era fundamental encontrar-se um sistema de jôgo que privilegiasse o um contra um, em duelos dentro do jôgo, se possivel entre gigantes, e melhor ainda se entre brancos e negros. Nascia o passing game, formula perfeita para gerar duelos individuais, e melhor ainda se respaldado pela proibição da defêsa por zona e pela flutuação na defêsa individual.
Não se ia aos ginasios para ver Lakers versus New York, e sim Jabar versus Willis Reed. O gosto do torcedor americano pelo embate de gigantes no Boxe, no Football teria de ter sucedâneo no Basketball para que despertasse seu altamente lucrativo interêsse. O passing game era a solução técnica, como os embates um contra um seria a solução financeira. A divulgação maciça pela midia, principalmente a televisiva lançou ao mundo o modêlo NBA, que com o sucesso alcançado motivou o govêrno americano a utilizá-lo como sutil propaganda de sua superioridade esportiva, cultural e política perante o mundo.
Cometeram um êrro porém,ao subestimar a importância das regras internacionais, ao subestimar a FIBA, estando hoje colhendo alguns fracassos pela inabilidade de seus jogadores quando submetidos às mesmas em mundiais e recentemente nas olimpíadas. Mas no caso do Brasil o estrago já tinha sido letal. Nos últimos 20 anos mudamos nossa forma de jogar e adotamos o modêlo NBA, o modêlo baseado no passing game. Nossos armadores empolgados pelo um contra um passaram de organizadores para finalizadores, esqueceram a arte do drible, assim como os alas simplesmente a aboliram.
Da posição básica no ataque, com a bola de encontro ao peito, prontos para o drible, o passe ou o arremêsso, involuiram para a posição da bola acima da cabeça, simplesmente para a execução do passe, dando continuidade a verdadeira coreografia em que se transformou o jôgo, ao passing game. O “basquetebol Internacional”,como muitos apregoam, realmente se estabeleceu pela maioria dos países, pois subserviencia cultural não é prerrogativa do Brasil, no entanto, alguns deles não descuidaram do ensino dos movimentos básicos, e cito a Argentina, a antiga Iuguslavia, a Lituânia e a Russia como exemplos.
Conseguiram os mesmos manter um excelente nível no domínio dos fundamentos, principalmente o drible, e hoje colhem os resultados desta saudavel atitude. Ao esquecermos nossa herança de duas vezes campeões do mundo e três vezes medalhistas olímpicos, mergulhando numa mediocridade técnica na tentativa de imitarmos um sistema planejado, estudado e executado para a manutenção do domínio do modêlo NBA, esquecemos também que fundamentando o modelo americano sempre existiu a massificação de jogadores nas escolas e nas universidades, ao contrario da pobreza franciscana de nossa realidade. Transpor modelos estrangeiros fora de nossa realidade é a atitude mais estúpida que se possa tomar, mais é sem dúvida nenhuma a mais fácil de ser utilizada por um grupamento de pseudo técnicos que determinaram omitir nossa passada grandeza em nome de uma realidade absurda e irresponsável.
Em 1971 sugerí e ajudei a fundar a primeira associação de técnicos de basquetebol do Brasil,a ANATEBA onde exerci o cargo de secretário. Mais tarde, em 1976 também ajudei a fundar a BRASTEBA da qual fui o vice-presidente, e no Rio de Janeiro a ATBRJ que como as anteriores logo se desintegraram. Mais recentemente fundou-se em São Paulo a APROBAS, que encontra sérias dificuldades para expandir-se.
O fator restritivo é, como foi no passado, o total desinterêsse pela discussão dos problemas técnicos, culturais e até sociológicos que submetem nosso desporto aos interêsses de um grupo que se apossou do comando do mesmo, um feudo, onde alguns empunham microfones para em transmissões esportivas criticarem e oferecerem soluções táticas e técnicas, visando emprêgos futuros nas equipes de ponta, numa flagrante falta de ética profissional, já que do outro lado não existem microfones para a defêsa.
Sofremos de um unilateralismo crônico, ontem no aspecto de sistema de jôgo, hoje de divulgação de um modêlo em que somente um dos lados exerce o dominio da informação. Sempre tivemos bons e maus dirigentes, grandes e pequenos técnicos, perene falta de incentivos, pouca divulgação da modalidade, intercâmbio pouco desejável, mas tinhamos resultados, discutiamos mais, até brigavamos às vezes, procuravamos adaptar novas tecnologias e novos sistemas à nossa realidade, enfim, sabiamos administrar nossa pobreza.
Hoje reina a omissão e prevalece a mesmice, a copia a falta de imaginação e a ausência de criatividade. E a classe que no fim das contas é a que dita as normas de conduta técnica, de sistemas de jôgo, de estratégias a serem seguidas, dentro e fora das quadras, é a classe que peca pela omissão, por que de todas as envolvidas no processo decisório é a que tem por obrigação deter o dominio e o conhecimento do jôgo.
Por isso considero serem os técnicos, que por seus conhecimentos, estudos e pesquisas deveriam comandar e estruturar as políticas referentes ao desenvolvimento do jôgo, os grandes responsáveis pelo seu declinio,por negarem as tradições, os conceitos e a verdadeira índole de nossos jovens, ao trocarem esses valôres por soluções estrangeiras sem as devidas adaptações por ser uma solução fácil e desprovida de responsabilidades. Podemos fugir deste modêlo? Dificil, porém possível.
Daí a sugestão para o debate. Até o fim do ano publicarei meu livro, onde extenderei ao máximo esses pontos de vista, e aí sim poderei expôr com todas as letras o que vivi, senti e experimentei nos últimos 40 anos de basquetebol.
Paulo Murilo
O Prof. Paulo Murilo Alves Iracema é professor da UFRJ (aposentado), técnico atuante de basquetebol, doutor em Ciências do Desporto – FMH -Lisboa, licenciado em Ed.Física pela EEFD/UFRJ, bacharel em Jornalismo Audiovisual pela ECO/UFRJ e é responsável pelo blog parceiro do DB, Basquete Brasil e é nosso colaborador desde o ano passado.