Como a Liga Nacional poderá tirar o nosso basquete da lama?
Uma importante notícia foi veiculada menos de 24 horas após a 3ª eliminação consecutiva da seleção brasileira masculina de basquete no Torneio Pré-Olímpico. Dá conta de que os clubes finalmente resolveram se reunir para criar uma Liga Nacional de Basquete.
Essa liga terá, enfim, a chancela da Confederação Brasileira de Basquete (CBB) e será administrada por uma Comissão Executiva formada por sete clubes (Brasília, Flamengo, Franca, Joinville, Minas, Paulistano e Pinheiros), esta presidida por Kouros Monadjemi (ex-presidente do Minas Tênis Clube).
A iniciativa é boa e aparentemente encerra anos de desunião e profundas divergências entre CBB e clubes e, principalmente, entre os próprios clubes. Contudo, em virtude de péssimas memórias recentes é bom aguardar um pouco antes de comemorarmos. Afinal, já presenciamos acordos como este serem descumpridos na véspera de uma competição nacional, dividindo em dois o basquete brasileiro.
Muito pouco foi anunciado até o momento a respeito da organização da LNB, se é que algo já foi organizado de fato.
Sendo assim, gostaria de abordar 3 elementos que eu considero essenciais para que a LNB dê certo e, sobretudo, que realmente contribua para o basquete brasileiro. São eles 1) número de participantes da liga; 2) divisão geográfica; e 3) formação dos elencos.
Do pouco que foi anunciado até o momento, a recém criada Liga Nacional apenas nos deixou pistas sobre a quantidade de participantes do campeonato.
Apesar de terem participado da fundação da LNB 20 clubes, Kouros Monadjemi anunciou que o número ideal de participantes no campeonato seria 16.
Sinceramente, até a proposta “realista” de Kouros me parece bastante exagerada. Infelizmente, não consigo vislumbrar mais de 10 equipes capazes de montar elencos competitivos no Brasil.
Para começar bem, creio que o ideal seja nivelar o campeonato por cima. Ora, com um campeonato atraente, certamente surgirá o interesse dos torcedores, da mídia e, conseqüentemente, dos investidores.
Com mais gente investindo no basquete brasileiro, aí sim poderíamos pensar na possibilidade de ampliar o campeonato.
Sejamos realistas, ninguém está interessado em pegar trânsito para assistir o Flamengo vencer o Iguaçu Basquete Clube por um placar de 100 x 40, assim como as televisões por assinatura têm verdadeiro pavor de transmitir uma partida desse nível. O que falar dos anunciantes que desperdiçam o seu dinheiro em inserções comerciais nos intervalos dessas partidas? Não dá…
Obviamente, seria vital criar ligas subsidiárias, com a possibilidade de acesso à liga principal.
A segunda questão, esta muito mais delicada, diz respeito à geografia da LNB. Será esta uma liga realmente nacional ou será apenas mais uma liga do eixo Sul, Brasília, Sudeste?
Há 2 grandes dificuldades que devem ser reconhecidas: a) o desnível de recursos entre as regiões brasileiras e b) o alto preço do deslocamento.
A tarefa não é simples, mas acredito que os dois problemas também possam ser enfrentados através da limitação do número de participantes.
Nesse passo, seria muito mais interessante ver surgir inicialmente pequenos pólos de basquete no Norte e Nordeste, do que “forçar” a participação de 5 ou 6 equipes que serão verdadeiros sacos de pancadas na primeira edição do campeonato e que provavelmente sequer retornarão para disputar uma segunda.
Num campeonato cujo número de participantes seja limitado a 10, uma equipe como o Sport Club do Recife, apenas para citar um exemplo, poderia servir como catalisadora do basquete não apenas em Pernambuco, como também nos estados vizinhos.
E com uma equipe competitiva a nível nacional, disputando um campeonato forte, não tenho dúvidas de que em alguns poucos anos, outros investidores procurarão clubes da região para criar outros projetos.
Ainda assim, no início estas poucas equipes (duas ou três) de fora do eixo precisariam ser subsidiadas, seja pela CBB, seja pelo restante da Liga Nacional. Afinal, deveria ser interesse de ambas fomentar o interesse do basquete no restante do país.
Para longo prazo, caso a iniciativa dê certo, poderiam ser estudadas fórmulas de disputa prévia regional, como ocorre no basquete norte-americano (NBA e NCAA).
O essencial é que o campeonato da LNB seja criado com a perspectiva de um número mínimo de equipes em cada região do país, nem que seja uma ou duas.
Além do número de participantes e da questão geográfica, uma outra preocupação que a LNB deve ter em mente se refere à formação dos elencos das equipes participantes.
Para evitar “equipes de aluguel” e para fomentar o desenvolvimento do basquete brasileiro, devem ser criadas regras rígidas para prestigiar a formação de jovens atletas e regulamentar o número de estrangeiros permitido em cada equipe.
Nos moldes atuais, em que o regulamento da CBB não contém uma regra sequer sobre a idade dos jogadores participantes, uma “equipe de ponta” no basquete brasileiro é formada apenas por veteranos. Por exemplo, o atual vice-campeão brasileiro, o Universo Brasília, é formado basicamente por um núcleo de 8 jogadores com uma idade média absurda de 31,1 anos (Arthur, Ratto, Estevam, Valtinho, Brasília, Rossi, Cipriano e Luís Fernando).
Por outro lado, não acredito que uma regra simplória como obrigar a presença de pelo menos dois atletas Sub-21 por equipe surtiria os efeitos desejados. Na verdade, os “jovens” de cada equipe estariam fadados a servir isotônico aos demais colegas no banco de reservas.
Parece-me bem mais interessante a solução adotada pelos nossos hermanos, atuais campeões olímpicos, na liga argentina. Lá cada equipe obrigatoriamente deve contar com 3 jogadores com menos de 20 anos de idade; mais um jogador menor de 23 anos de idade; e 2 jogadores estrangeiros.
Em outras palavras, apenas as 6 vagas restantes do elenco podem ser utilizadas por argentinos com mais de 23 anos de idade (recentemente foi alterado o estatuto da liga argentina para tornar possível usar uma dessas 6 vagas restantes para a opção por mais um estrangeiro).
Eu considero exemplar a regra argentina em relação à idade dos jogadores. O fato de uma equipe precisar manter no elenco pelo menos um jovem e 3 garotos é a garantia de que um trabalho de base será desenvolvido na Argentina. Afinal, a demanda por jogadores novos será contínua.
Além disso, o tal limite de 6 vagas, impede que todos os jogadores brasileiros “consagrados” sejam acumulados numa só equipe, aliviando o mercado para as demais. No exemplo brasileiro do Universo/Brasília, pelo menos 6 daqueles 8 veteranos do elenco precisariam arrumar emprego num outro lugar, para sorte das demais equipes e dos jovens jogadores de Brasília.
Quanto à regra de obrigar a presença de pelo menos 2 jogadores estrangeiros, ela foi criada para elevar o nível do campeonato argentino e para manter o equilíbrio entre as equipes.
Pessoalmente, vejo com bons olhos a importação (mesmo a obrigatória) de talentos, mas tenho ressalva em relação ao número. O ideal para o campeonato brasileiro, salvo melhor juízo, seria uma vaga obrigatória (de preferência com piso e teto salarial regulado) e uma outra opcional.
Em suma, são três questões que precisam ser amplamente discutidas e decididas pelos membros da Comissão Executiva da LNB. O que é certo é que o Brasil mais do que grandes equipes, precisa de liga forte e equilibrada. Só assim o nosso basquete poderá sair da lama.