A história da final, por Henrique Lima Gonçalves
Brasília é o novo campeão brasileiro de basquetebol. No jogo 5 da final, em Anápolis-GO, a equipe candanga venceu o Flamengo por 76 x 74 e conseguiu o título nacional. As equipes fizeram um jogo muito equilibrado e com emoção até o final, uma vez que somente na última posse de bola tivemos o vencedor.
O Universo vencia por 13 pontos no primeiro período e parecia que iria levar o título sem maiores problemas, quando tivemos o primeiro divisor de águas no jogo, a defesa por zona (2-3) que o Flamengo marcou e que abriu o perímetro para os adversários, porém trancou as bolas próximas à cesta. Essa alteração defensiva foi crucial para o desenrolar da partida. O problema do jogo estava criado, como Brasília venceria a defesa carioca ?
Os brasilienses não conseguiram atacar a zona defensiva e pararam de pontuar. O primeiro período terminou com 7 pontos de vantagem para o time da capital federal, porém com um Flamengo vivo no jogo, o que não existia minutos antes. Naquele momento, ficou claro que o ataque brasiliense precisaria de ajustes rápidos, que poderiam ser: maior movimentação sem a bola, infiltrações em direção à cesta, rodar a bola com mais velocidade no perímetro, tudo isso para que os arremessos saíssem livres e equilibrados.
No segundo período, Brasília jogou completamente errado. Perdeu de 26 x 17 e viu a vantagem que construiu desmoronar nos própios erros. Flamengo teve o mérito de não desesperar nos ataques, jogar com mais equilíbrio entre os chutes de perímetro e chutes de dois pontos, logo ser mais objetivo atacando. Na defesa, a zona 2-3 se mantinha soberana e o Brasília apostando em uma defesa individual que ainda não criava tantos problemas. Porém se não era brilhante, também não era ruim e a equipe candanga não deixou os advesários abrirem o placar. Sendo assim, a defesa individual de Brasília foi mantida.
O final do primeiro tempo de partida tinha Flamengo na frente por dois pontos, 41 x 39 e Lula, ao ser entrevistado pela Sportv, teve a mesma leitura que nós do Draft Brasil: os chutes de perímetro de Brasília eram excessivos, a equipe não chegava próximo da cesta, o ataque visivelmente perdido e as correções seriam feitas.
Na volta do intervalo, as equipes protagonizaram aquele que foi o pior período da partida. Brasília ainda perdida no ataque, com vários erros de passe e Flamengo entrando no ‘’jogo’’ da falta de objetividade e precipitação, o oposto do que tinha feito no período anterior quando foi superior. As bolas de três pontos tiveram seu ápice em tentativas de todas as formas e em todos os momentos, porém sem qualidade e mais uma vez os times não conseguiam criar problemas para as defesas. O terceiro período seguiu com um basquetebol de baixo nível técnico e tático, porém com muita emoção, uma vez que o placar não se dilatou. E terminou com vantagem do Flamengo no quarto (14 x 13) e no jogo (55 x 52). A carga emocional superou a razão no terceiro período, dando uma prova que temos que pensar mais o jogo e sermos mais racionais. A emoção faz parte, mas controlar o nervosismo também uma característica importante do bom basquetebolista.
Brasília poderia ter sobrecarregado um lado da quadra, tentado infiltrações pelo lado débil ao rodar a bola, acionado o pivô sem ser por passes quicados em um espaço inexistente. Porém, tudo isso ficou na idéia e não na prática do período. A zona defensiva do Flamengo seguia imponente e soberana rumo ao tricampeonato, embora com queda na produção ofensiva, detalhe importante para o restante do jogo.
O quarto período começou com as equipes trocando erros de passes. Os dois lados abusavam do direito de errar e por mais nervosos que estivessem, alguém na quadra tinha que pensar mais o jogo e agir com menos emoção. Seguimos assim por meio período, com mais equívocos do que acertos. Marcando pior neste momento, o Flamengo fez sua quarta falta coletiva com mais de cinco minutos por jogar. Brasília na defesa seguinte, fez sua segunda falta coletiva em uma jogada de Duda pela direita. Após isso, um tempo técnico e naquele momento, parecia que Brasília voltaria com a proposta de coletar mais faltas, estourar os atletas flamenguistas, fazer com o time carioca tivesse que usar o banco com atletas menos técnicos ou afrouxar a marcação para deixar os faltosos em quadra. Logo, a expectativa era que Brasília conseguisse tomar as redéas do jogo e seguir para a vitória, sem dramas no final.
E nada disso ocorreu. Brasília ao invés de acalmar o jogo, que estava totalmente a seu favor neste momento, cometeu duas faltas rapidamente enquanto o Flamengo foi cometer sua próxima falta com Fred (a primeira para lances livres) faltando dois minutos e trinta e três segundos para o final da partida. Nos mais de três minutos entre o estouro de faltas do Flamengo e a falta de Fred, Brasília tentou chutes de três pontos ao léu, não conseguiu ler o jogo da forma correta e se por ventura conseguiu ter a boa leitura, não realizou. O jogo pedia uma ação ofensiva e víamos outra completamente diferente sendo executada. A falta de leitura contribuiu decisivamente para termos um jogo ainda mais equilibrado e com isso, os minutos finais seriam ainda mais pautados na emoção e menos na razão.
O time de Lula conseguiu certo controle da partida, apesar da diferença pequena no placar, até que Estevam estourou as faltas permitidas e concomitantemente Alex sentiu uma lesão e deixou a quadra. Restavam dois minutos e doze segundos para o final do jogo. Naquele momento, todos pensavámos que o Flamengo teria todas as chances do mundo para tomar proveito da situação e reverter o quadro. Marcelinho cobrou dois lances livres e converteu apenas um. Ainda assim, o time carioca estava vivo. No ataque seguinte, já em quadra, Alex converteu um chute de três pontos em que seu marcador chegou muito atrasado. Foi somente o segundo arremesso de três que Brasília fez completamente livre e equilibrado (Guilherme fez o outro aberto de frente pra cesta) e talvez dos poucos, entre os 31 chutes de fora, que podem ser justificados.
Vários outros foram feitos desequilibrados, com tempo no relógio, marcados, escolhas ruins e que refletiram em apenas 11 bolas convertidas dos 31 tentados.
E quando parecia que surgiu o campeão, Brasília viu todo seu trabalho defensivo, que de fato agradava no período final, ser jogado fora com as três faltas cometidas por Márcio Cipriano em um minuto. O que devolveu o Flamengo ao jogo por poder cobrar lances livres para cada falta que Brasília fizesse. Além disso, Márcio foi eliminado e deixava Brasília sem pivôs de ofício para o minuto restante do jogo. O jogo se desenhava para a última bola.
Com quarenta e quatro segundos restantes, Marcelinho fez sua quinta falta e também foi eliminado da partida e Nezinho teve em suas mãos dois lances livres que poderiam deixar Brasília cinco pontos na frente. Converteu um de dois. A diferença foi para quatro pontos e foi reduzida para dois após uma grande jogada de Fred. Quando a bola caiu, restavam apenas trinta e três segundos. Nezinho parte para a quadra ofensiva, quando um lance capital acontece. Hélio, a melhor figura do Flamengo na final, faz uma defesa espetacular e que deverá ser relembrada por muito tempo em cima do armador brasiliense, rouba a bola e converte a bandeja fácil. Nezinho quando pressionado pela excepcional defesa, não conseguiu conduzir o time ao ataque. O jogo estava empatado em 74 pontos.
Vinte e três segundos para o final da partida e Brasília com a posse de bola crucial do jogo. Os olhos todos voltados para o que os cinco atletas da equipe candanga iriam criar naquele momento. A bola sobe, entra na cesta porém a cesta não é validada. Carlos Renato marcou falta de Hélio em Alex. Com isso dois lances livres para Brasília e teríamos ainda quatro segundos para o jogo acabar. Alex converte os dois lances, 76 x 74. Flamengo não tem tempo técnico, tem que sair jogando e garantir um arremesso derradeiro. Duda recebe o fundo bola, dribla pela quadra, a marcação o pressiona, ele muda de direção e perde o drible, desequilibrado tenta o arremesso e falha.
O Universo Brasília é campeão nacional de basquetebol. Venceu o jogo, apesar de ter feito uma partida sem grande momentos. Flamengo é o vice-campeão do NBB2 e fez um jogo final bom. Curiosamente, a impresão é que o Flamengo fez um jogo melhor do que o campeão. Mas temos que lembrar que isso não garantiu o título e tampouco ajuda aos jogadores ou torcedores neste momento. Brasília se não foi brilhante, não se entregou às dificuldades, que foram muitas. Teve a competência de defender melhor do que atacar e por isso ficou no jogo, enquanto o Flamengo, que parecia ter o domínio das ações, não conseguia abrir vantagem no marcador e se perdeu ofensivamente quando jogava bem melhor. Se o Flamengo esteve na frente no jogo, essa vantagem sempre ficou na casa dos três, quatro ou cinco pontos. Nunca conseguiu dilatar o placar. E isso foi determinante para termos um jogo emocionante, embora tática e tecnicamente pobre.
O chavão de que o jogo final é consumido pela emoção tem que ser revisto. Os atletas são profissionais. Estão acostumados desde a base, em realizar finais. Não foi a primeira e tampouco será a última final que boa parte dos destes atletas jogarão. O controle emocional é fundamental para realizar as ações táticas e técnica da melhor forma. É claro, a emoção existe, toda bola é decisiva, um erro é crucial, mas além de todos estes chavões que estão sempre no ar, temos que lembrar que os atletas, técnicos e dirigentes, estão sempre disputando jogos importantes e decisivos. O jogo 5, em especial, não permite revisão, não existe ajuste após em reuniões, não existe próximo jogo. Por tudo isso, o cuidado com a parte mental e emocional deveria ser maior. Falar que existe, todo mundo sabe. Em todas as finais, sempre temos a emoção dominando a razão e erros infantis são justificados assim.
De toda forma, tivemos um jogo equilibrado como uma final merece, um jogo para ser lembrado principalmente pelo fato de que nada do que foi previsto ocorreu. O medo de um confronto entre os times, pela rivalidade das equipes, enfim, nada disso teve lugar na quadra em Goiás. E o jogo 5, este sim o de maior carga emocional, foi uma lição de controle emocional na agressividade exagerada dos outros jogos. Se controlamos este conflito que era previsto por alguns ou até mesmo considerado inevitável, por que não controlar a emoção nas ações técnico-táticas em jogos decisivos ? Os chavões estão aí para serem também derrotados.
Henrique Lima Gonçalves
Henrique é treinador em Betim e colunista do Draft Brasil.