A Odisséia, por Prof. Paulo Murilo

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Publicado em: 17/07/2008

Bola ao alto, lançada torta pelo juiz, mas bem aproveitada pelo Splitter iniciando nosso primeiro ataque, quando chega às mãos do Marcelo na lateral e Pimba! Chute de três falho. Mas o recado estava dado, com menos de 10seg. de posse! Sou mais eu, e o”passe a mais” que se lixe. Fosse eu o técnico e ato contínuo ao recado o banco não seria suficientemente longo para que ele baixasse de sua arrogância. O que se viu daí para diante foi um desafio entre uma equipe com absoluto domínio dos fundamentos, ante uma outra que tentava um equilíbrio baseado no espírito de luta de alguns bons jogadores, como o Splitter, o Alex e o Huertas. Foi o bastante para manter o placar de um ponto a favor dos gregos ao final do quarto.

Daí para diante, o abismo que separa a qualidade técnica dos jogadores gregos dos nossos, onde a elevada estatura de armadores, alas e pivôs, não limitam os mesmos na execução dos fundamentos de drible, passes , fintas e rebotes, além dos arremessos certeiros, e mais além ainda no posicionamento defensivo irretocável, contrasta com nossas deficiências nos mesmos, de uma maneira absolutamente inquestionável, deixando no ar a pergunta que não quer calar: Onde estavam os técnicos que não os prepararam na formação? Que ambas as equipes praticavam o mesmo sistema de ataque, era uma constatação clara e transparente, porém com um senão, uma diferença primordial que os diferenciavam, a superioridade grega nos fundamentos, exeqüibilizando-o, e superando nossos ingentes esforços em tentativas estéreis em antepô-los.

Ficou bem clara a nossa maior deficiência, quando além da mencionada fragilidade fundamental, a ausência de uma armação dupla e a utilização dinâmica de nossos pivôs, deu lugar à estagnação do sistema proposto, em jogadas setorizadas e avulsas, onde o ritmo cadenciado e previsível esbarrava numa defesa ativa e veloz nas anteposições, travando e retardando, não só as penetrações, como os lançamentos equilibrados, numa ação conjunta de quem domina o antídoto do próprio sistema que utiliza, numa engenharia reversa admirável . Por outro lado, estes mesmos gregos, no mesmo sistema, e graças ao seu domínio das técnicas fundamentais, o agilizavam e implementavam ações incisivas e carentes de erros de execução. Em falhas de fundamentos perdemos 16 ataques, ou seja, propiciamos 32 pontos possíveis ( isso se valessem somente 2 pontos cada…), aos nossos adversários. Os gregos perderam somente 5.

E bem acima de todas estas deficiências, onde até intoxicações alimentares assaltaram três de nossos jogadores, uma auréola ufanista preencheu os espaços de todas as mídias envolvidas na cobertura do Pré, onde pessoas que de basquetebol entendem menos do que eu de culinária chechena, desandaram a projetar qualidades técnico-táticas fantasiosas e até certo ponto irresponsáveis, confundindo marketing e lobbie esportivo com real qualificação de jogadores, principalmente no concerto internacional, mudanças superficiais, tal qual uma maquiagem de sistemas de jogo, com a fatal evidência da não absorção dos mesmos pela premência de tempo de treinamento, como se o grande jogo pudesse se tornar cúmplice de seus devaneios e sonhos esdrúxulos e irreais.

E se não bastasse esse caudal de insanidades, tivemos o desgosto de ouvir daquele que é descrito pela mesma mídia, como o maior jogador de nossa história (da qual discordo veementemente…) duas terríveis afirmações, ouvidas em rede nacional, com audiência de muitos jovens jogadores, e também de jovens técnicos espalhados pelo país, ditas seriamente e impositivamente preambuladas com um sonoro :“Isso é para vocês todos entenderem!”

– “Em todas as minhas equipes, mandava bater, gastar as 5 faltas pessoais, para parar os ataques adversários, provocando lances-livres. E é o que a seleção deveria estar fazendo! Ordenava a todos que gastassem suas faltas!”

-“Agora, faltando 10min., é hora de esquecer sistema de jogo e botar pra correr a equipe. Jogar no sistema é o que os gregos querem que façamos…”.

Ficam no ar duas perguntas ao grande jogador: Qual a opinião, ou mesmo posição dos técnicos que contratou para dirigir suas duas equipes nos campeonatos que participou? Adotaram estas diretivas, se insurgiram, ou abaixaram a cabeça aquiescendo tais absurdos?

Mesmo constatando que os gregos, em momento algum da partida, não só esta, como as demais que vem participando, jamais abriram e abrem mão de seu sistema, colocando-o acima de comportamentos individualistas, que foram a essência de sua vida atlética, e que desde sempre aprovou a “nova metodologia” do técnico espanhol ( com o qual treinou na Europa…), prevendo substanciais progressos em nossa forma de atuar e jogar, mesmo assim, e incoerentemente, em rede nacional preconiza uma atitude técnico-tática oposta a seus próprios e anteriores comentários?

Não precisa responder, faça-o em suas palestras muito bem pagas, mas não as repita voltadas a um público ávido de ensinamentos compatíveis a seus sonhos adolescentes, onde o verbo bater e desrespeitar seu técnico e orientador, passa muito ao largo da canibalização empresarial a que são destinadas suas teorias.

E mais uma vez Hortência, parabéns pelos comentários equilibrados, dignos de uma personalidade do Hall of Fame do basquetebol , campeã mundial e medalhista olímpica.

Para o jogo decisivo com a Alemanha, agora que todos os jogadores constataram suas valências físicas e técnicas num confronto realmente para valer, fica uma sugestão. Não abdiquem, agora mais do que nunca, do pouco, bem sei, que assimilaram e treinaram com afinco. Escudem-se nessa pequena garantia de unidade, de equipe, de coleguismo e de apoio mútuo, e sigam as normas de seu técnico, com confiança e respeito, com abnegação e sacrifício, e acima de tudo, com a mais alta consideração pela camisa que vestem, sem arroubos egoístas e aventuras inconseqüentes. Tornem a conscientização de suas deficiências em uma plataforma de superação responsável, aquela que transforma derrotas em vitorias, injustiças em merecimento, tornando-os dignos de admiração e reconhecimento. Não precisam bater para ganhar, bastam jogar basquetebol.

Amém.

Paulo Murilo
O Prof. Paulo Murilo Alves Iracema é professor da UFRJ (aposentado), técnico atuante de basquetebol, doutor em Ciências do Desporto – FMH -Lisboa, licenciado em Ed.Física pela EEFD/UFRJ, bacharel em Jornalismo Audiovisual pela ECO/UFRJ e é responsável pelo blog parceiro do DB, Basquete Brasil e é nosso colaborador desde o ano passado.

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