A velha polêmica

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Publicado em: 1/06/2011

Hoje, quem navegou pelos principais blogs especializados e portais nacionais se deparou com declarações fortes do presidente da LNB, Kouros Monadjemi, sobre o pivô Nenê.

“Acho o Nenê o melhor jogador do basquete brasileiro. Só que ele não se interessa pelo Brasil. Tudo é motivo para não jogar. É dodói no pé, é a mulher que perdeu as malas. Quem não tem vontade de ajudar não é ídolo”, disse Kouros, que ainda ressaltou: ”O Nenê nunca será nada para o Brasil. Não dá o valor que deveria dar, como o Nowitzki na Alemanha e aqueles jogadores da Argentina”.

Assusta em primeira mão, por se tratar de um dos principais dirigentes do nosso basquetebol se declarando abertamente contra as atitudades de um dos nossos melhores atletas. É algo que nós não estamos acostumados em dias em que muitos vivem de tapinhas nas costas e sorrisos no canto da boca e que a imagem pública sempre é feita de acordo com o que acham ilustres marqueteiros. Ao soltar o verbo contra Nenê, Kouros demonstra uma insatisfação que poucas vezes observamos de um um dirigente de alto escalão para com um atleta de elite.

Obviamente, as posições de Nenê devem respeito somente à ele e sua consciência. Ainda assim, devemos lembrar que, após a trágica Copa América em 2007, Nenê se retirou das convocações e criticou, ainda que timidamente, a gestão Grego e somente retornou ao selecionado em abril de 2010, já na gestão Carlos Nunes. Ainda em 2010, se mostrou disposto e esteve apto para atuar pelo selecionado no Mundial da Turquia, porém uma lesão em 21 de agosto, às vespéras do torneio, o afastou da competição.

Antes de 2007, é bom lembrar, nunca sabíamos o que se passava na cabeça de Nenê. Poucas declarações à imprensa e a posição sempre omissa da CBB, resultava em uma agonia íncrivel para os fãs e analistas. Nenê irá jogar ? Nenê não irá jogar ? As duas questões eram motivo de longas jornadas de debates pelos militantes do basquetebol. Naturalmente, o pivô perdia fãs e apoio, uma vez que pouca se pronunciava.

Neste ponto, seria importante para Nenê declarar sua posição real. Sim, irei com a Seleção, machucado, andando de muletas, recém operado, enfim, irei até pagando o seguro se a Confederação não tiver condições. Pronto, seria uma posição de um atleta sobre um problema real: sua vontade de atuar à qualquer custo. Como também, ele poderia marcar uma entrevista e dizer: não irei, não vale a pena, é perda de tempo. O ambiente é péssimo, a pressão é infinita, os recursos e o tempo de treinamento são mínimos. Ou mesmo dizer que quer descansar seja lá onde for e está fora do projeto. Se existe um erro de Nenê, o erro é apenas este, não se posicionar.

Devemos também lembrar que Nenê perdeu a temporada de 2005/06 inteira por lesão (jogou uma partida), algo que se repetiu em 2007/08 (jogou 16 jogos), quando teve câncer no testículo detectado em exames rotineiros, se tratou e superou a doença. Ou seja, estamos falando de um atleta com um histórico de complicações (e graves) que não pode ser simplesmente descartado nesta discussão.

Sobre o papo nacionalista de atuar ou não na Seleção, que isso é a coisa mais importante da vida ou declarações com este teor, sinceramente, só podemos enxergar isso como algo absolutamente pessoal. Em um país como o nosso, não se deve cobrar patriotismo de um atleta, que sabe Deus o que passou para chegar onde está. Se deve cobrar patriotismo e respeito às cores da bandeira de várias outras pessoas (deputados, senadores, ministros, vereadores, por exemplo), que tem muito mais importância nos rumos do nosso país do que a decisão de Nenê em atuar ou não pelo time nacional. A decisão de Nenê não muda nada, não altera uma vírgula à vida de alguém a não ser a dele mesmo. Nem por isso devemos pregar aqui a omissão do pivô em declarações. Claro, se ele quer ajudar ao selecionado, que comece por se declarar apto para tal missão.


Nenê é um dos principais atletas do basquetebol nacional na atualidade. O que causa constrangimento é sua omissão e não sua decisão. Esta importa somente a ele

Por outro lado, existe a vistão de que Nenê é um exemplo. Mas, para quem e por que ? Ele é um exemplo de um cara que deu certo na profissão que escolheu e chegou muito mais longe do que vários outros por motivos, entre os quais podemos e devemos citar: talento, obstinação, desejo, superação, sorte, enfim, dos mais variados e complexos motivos. Obviamente, ganha e muito bem por atuar em uma das principais (e ricas) ligas do mundo por quase uma década. Mas é só isso. A decisão de Nenê em se juntar ao selecionado não é reflexo de nada, não é estudo para nada, não é caso de dossiê, não é caso de polícia e nem merece uma tese de doutorado nas melhores faculdades de psicologia do país. Nenê é apenas um atleta.

O senso comum diz que Nenê tem que se desdobrar para atuar na seleção, fazer um milagre acontecer, peitar a tudo e a todos para viajar para onde for, se preparar, entrar em quadra e claro, dar seu melhor pela equipe verde e amarela. Porém, alguém já perguntou se Nenê quer isso ? E se ele não quiser ? Qual o problema ?

A comparação da situação de Nenê e os possivéis deslizes do pivô, sempre se é feita com os vizinhos argentinos, em especial Manu Ginibili e com alemão Dirk Nowitzki. Por atuarem na NBA por vários anos, os citados também tem problemas com seguros para se juntarem aos respetivos selecionados. Declararam sempre sua vontade e compromisso com a seleção e por algumas vezes, ao que consta, pagaram do próprio bolso o seguro para que pudessem atuar em suas férias. Manu Ginobili causou desconforto em San Antonio ao voltar lesionado de competições oficiais pela Argentina. Ou seja, não é fácil para os mesmos estarem à disposição do grupo. Claramente, eles fazem esforços acima da média.

Porém, não sabemos quais são os limites da vontade de Nenê e nem sabemos qual é o real jogo do pagamento de seguros. Mas, temos certeza que a idolatria na qual Manu ou Dirk convivem em seus países não se compara à de Nenê, praticamente um desconhecido em seu país. E neste ponto, a culpa não é dele. O basquetebol não é conhecido, não é falado, não é divulgado, não é organizado, não é bem dirigido, não é dado nas escolas públicas e particulares, não é mostrado na televisão para que tenhamos algum ídolo. Logo, como Nenê será um ídolo das massas ? Hoje Nenê é um ídolo para quem é do meio do basquetebol e está cansado de saber quem é o pivô e o que se passa na CBB e na confusa e desastrosa gestão do basquetebol nacional.

Se excluir de pesquisas populares os nomes de Oscar, Hortência e Paula, os últimos ídolos recentes da modalidade no país, é bem capaz que o brasileiro comum não saiba citar mais ninguém da modalidade atuando dentro ou fora do país, seja na NBB, ACB ou LNB. Essa sopa de letrinhas de ligas faz sentido para quem conhece profundamente a modalidade. Porém, o possível desconhecimento do brasileiro comum é reflexo do fundo do poço na qual nossa modalidade está enterrada faz tempo. Logo, não é culpa de Nenê ou da sua suposta falta de exemplo como ídolo. Nenê não é o Ronaldo ou Neymar, que estão em todos os noticários esportivos seja aqui, no Acre ou Rio Grande do Sul.

Além disso, não podemos deixar de citar, como um breve exemplo de organização da nossa íncrivel Confederação, a batalha judicial entre CBB e a pivô Alessandra, pelo não pagamento do seguro para que atleta jogasse o Mundial Feminino de 2006, no Brasil. A atleta se lesionou naquele Mundial e os problemas começaram pois o seguro não havia sido pago. Logo, com tal folha de serviços prestados aos atletas, como culpar somente Nenê ? Será que ele está disposto à pagar o seguro ? Será que a CBB corre atrás de uma forma para pagar o tal seguro ? Ou espera que Nenê faça como alguns de seus pares na NBA. Será que todos os atletas estrangeiros da NBA pagam do próprio bolso este seguro ? Não temos como culpa-lo se não quiser pagar o seguro. Não é obrigação dele fazer isso, se assim fizer, ótimo. Se não fizer, uma pena, que a CBB se vire e faça algo à respeito.

E longe de achar Nenê um santo que mereça ser canonizado pelo papa Bento XVI entretanto, longe de considera-lo culpado por não querer atuar por nosso selecionado.
O ideal, seria que Nenê utilizasse a declaração de Kouros não para se defender, pois não é necessário e sim para se posicionar de uma vez por todas sobre o que pensa à respeito de Seleção Brasileira e claro, esclarecer, se quiser, os motivos de não ter se juntado em outras oportunidades ao selecionado, já que parece ter deixado obscuro algumas de suas ações e isso ainda o coloca em péssima posição perante parte dos dirigentes e fãs do basquetebol nacional.

A polêmica sobre Nenê é apenas a ponta de um iceberg que teima em não derreter. O iceberg da inércia e ineficiência do nosso basquetebol para os assuntos mais sérios e bem mais graves do que a vontade do pivô do Denver Nuggets em defender ou não, nosso selecionado.

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