Algumas notas
Ao fim do Mundial de Basquete e início da temporada de basquete de clubes, solto algumas notas, mais para vos dizer que ainda existimos do que para defender alguma tese. Numa auto-ajuda, aí vão os pitacos desse prelúdio.
Mal estar
Foi com um profundo mal estar que acompanhei a conquista de mais um título dos Estados Unidos no Campeonato Mundial. Ao contrário do professor Paulo Murilo, que respeito mas ouso discordar nessa questão, não vi absolutamente nada de encantador nos conceitos táticos oferecidos pela trupe de Coach K. O que vi foi um jogador extremamente dominante, Kevin Durant, e um núcleo de coadjuvantes que souberam explorar a fase estupenda do ala do Oklahoma City Thunder, que teve a melhor atuação de um basqueteiro no nível internacional desde Dirk Nowitzki no Mundial de 2002. Desfalcado de suas mais badaladas estrelas, conseguiu montar um grupo que defendeu bem: aí sim sua melhor característica mostrada na Turquia. Nada de novo. O velho mais do mesmo estadunidense: defesa forte, individualismo no ataque. O Mundial que teve um começo pra lá de empolgante, teve uma reta final das mais frustrantes.
Secador
Secador que sou, é bem possível que veja com má vontade a campanha estadunidense e, por isso, não reconheça outros méritos que poderiam ser listados por algum entusiasta da NBA. Mas foi extremamente frustrante ver os mais poderosos times da Europa jogando toscamente e ficando pelo caminho, sem sequer poder enfrentar os Estados Unidos para colocarmos verdadeiramente à prova o arsenal estadunidense. A Espanha e a Sérvia irritaram demais e Sergio Scariolo não deveria, nunca mais, receber chances em uma seleção de ponta. A Argentina, outro time que poderia dar trabalho, cansou depois da épica partida contra o Brasil e foi atropelada por uma nada-além-de-mediana Lituânia. Enfim, da Turquia, me restou a frustração de um Mundial sem as principais estrelas, com um time óbvio vencendo e um nível técnico abaixo dos principais campeonatos do planeta. Não era para ser assim, mas enfim, segue a vida.
Amargura
Como amargura pouca é bobagem, fui premiado por um dos piores níveis técnicos da bola ao cesto que já tive notícia: o Mundial Feminino disputado na República Tcheca. Não é saudosismo, mas, ainda que não seja minha praia falar das mulheres basqueteiras, o número de arremessos que sequer ameaçavam chegar ao aro, ou ficando no meio do caminho ou acertando somente a tabela, me ofendeu. Nas semifinais, Rep. Tcheca e Bielorrúsia me fizeram voltar a acreditar na vida, após um belo jogo. A superioridade dos EUA contra o time da casa, como no masculino, fez a final ser apenas um jogo pra confirmar o campeonato. Sobre o Brasil, deixo pro Bert, que tira paciência sei lá de onde pra ver essa tragédia chamada seleção de basquete feminina.
E a temporada de seleções termina, começa a de clubes
Se a temporada de seleções não foi o que eu esperava, ao menos começa logo a de clubes. Na Espanha, a ACB segue transmitindo vários jogos por rodada, de maneira gratuita, em seu ótimo site: o melhor de ligas do mundo. Marcelinho Huertas no Caja Laboral, Paulão no Granada e Rafael Freire Luz no Unicaja são os principais brasileiros da competição. São, aliás, os principais conterrâneos que temos no basquete europeu, ao lado de JP Batista na França e Tavernari no Biela. Marquinhos, que jogou a Lega, está de volta ao país. Na NBA, todas as atenções estão voltadas para a nova vida de três brasileiros.
Splitter no Spurs
O pivô é, na minha opinião, o melhor jogador nascido no país nos últimos trinta anos. Não se deixem levar pela apenas discreta participação do catarinense no Mundial da Turquia. Depois de longa temporada, na qual já brigou com lesões, o jovem chegou baleado e atuou longe do seu nível. No jogo da eliminação, saiu do banco e se arrastou em quadra. A notícia de que havia escondido uma contratura só veio depois, no embarque da seleção de volta para casa. Em SA, já começou machucando. Terá de lidar com o novo tipo de exigência. A NBA não é um jogo mais físico do que na Europa, mas ela exige mais explosão e, principalmente, resistência. Para lembrar do começo de outro craque na liga, recordemos de Ginóbili, que também chegou como estrela européia e penou na temporada regular como calouro. Nos playoffs, porém, explodiu e, saindo do banco (como o faz até hoje), foi uma das peças fundamentais já em seu primeiro ano de liga para o título texano. Splitter, ao lado do trio poderoso Parker, Manu e Duncan, e de coadjuvantes fundamentais e jovens como Blair, Richard Jefferson e George Hill formar uma rotação genial para o mata-mata. Ao longo da temporada, tenhamos calma. Popovich entende, como poucos, que a NBA se decide apenas nos playoffs. Não há porque se desgastar nesse varejo de 82 jogos.
Leandrinho em Toronto
Leandrinho teve momentos brilhantes na Turquia, e outros que nos apavoraram. Ao mesmo tempo que é injusto atribuir ao seu fraco poder decisivo a nossa eliminação, é também prudente ter calma para pensar nos rumos do marido de Samara. Não faço idéia do que pode acontecer com o brasileiro agora no Canadá. A estrutura do time é curiosa, a reconstrução tem sido um pouco confusa e Leandrinho tem em seu favor, ter trabalhado com Colangelo. É pouco para saber se o escolta reconquista seu espaço perdido na liga.
Anderson no novo Cavaliers
Sou um dos poucos, ao menos do meu núcleo de amigos, que acredita que o time de Cleveland é melhor do que aparenta. E acho que Anderson tem mais bola do que se costuma explorar. Acho que pode ser uma das gratas surpresas do Leste, agora sem James. Ainda é cedo, mas eu prestaria mais atenção nesse time, que terá de explorar o jogo coletivo e a defesa, fatores que costumam ser decisivos num basquete tão equilibrado como a NBA. Como o nível técnico dos jogadores é muito alto, esses básicos princípios acabam decidindo jogos.
A molecada
Os mais talentosos jovens brasileiros hoje são Raulzinho, Rafael Freire Luz e Lucas Bebê. O primeiro terá que dividir minutos com Facundo e Arnaldinho (!?!?), mas deve crescer na equipe mineira. O segundo vem sendo cada vez mais relacionado para o banco de reservas do forte Unicaja Málaga. E Bebê joga no time B do Estudiantes mas tem promessa de aos poucos ser incluído na equipe principal que disputa a ACB. Augusto Lima, na Espanha, pode surpreender e voltar a fazer bons jogos. Nos Estados Unidos, dois nomes para prestar atenção nesse ano: Fabrício Melo e André Almeida. Os dois jogarão a primeira divisão por times interessantes. O primeiro pela poderosa Syracuse, e o segundo, depois de ralar na JuCo, defenderá Nebraska na Big 12, conferência que costuma ter interessantes nomes no garrafão. Da geração que disputa o Mundial no fim do ano, atenção para dois nomes que preferiram tentar a sorte nos EUA: Felipe Vezzaro e Ícaro. Ambos não devem chamar muita atenção já na primeira temporada, mas dependem de se destacar já para tentar a sorte em uma universidade de ponta. Espero, sinceramente, que algum nome não listado aqui nos surpreenda e venha a brilhar, no Brasil ou no exterior.
Por aqui
Os estaduais já correm há um certo tempo, mas a expectativa é para o NBB 3, que promete, ao menos baseado nos elencos que vão se formando, ser o melhor já organizado pela LNB. O programa de estatísticas, que tive a oportunidade de testar, realmente permitirá uma nova dinâmica e a liga ainda prometeu um site novo. Ou seja, parece que de fato a evolução paulatina que a liga propunha tem acontecido. Destaco, por enquanto, os elencos de Flamengo, Brasília, Pinheiros, Franca e São José. Uberlândia e Joinville correm por fora. Mas falar de elenco, puramente, é especulativo. Vejamos o que eles vão fazer em quadra nas retas finais dos estaduais.
A última
O já mencionado ótimo site da ACB fez uma interessante matéria comparando o melhor escolta da NBA e o melhor escolta do basquete mundial: Kobe e Navarro. Vale a leitura.
Guilherme Tadeu de Paula
@guilhermetadeu
Guilherme é editor do Draft Brasil
guilhermetadeudepaula@gmail.com