Bauru em busca de um milagre possível
Quando entrarem em quadra para o primeiro jogo das quartas-de-final do NBB, Bauru e Universo colocarão a longa temporada à prova em três, quatro ou cinco jogos. Colocarão frente a frente um projeto bem organizado de time dominante que conta com a base da seleção brasileira em competições passadas, elenco requintado, investimento alto e a obrigação de título contra um honesto caos bauruense, que montou o time ao longo da temporada, se reforçando como pôde, à medida que patrocinadores apareciam. De um lado, um time que quase não perdeu até certo momento da temporada, até que tomou o gosto pela derrota. Do outro, um time que parecia que nunca mais venceria um jogo fora de casa, até que tomou gosto pelas visitas inconvenientes.
O primeiro comentário é óbvio: Universo é o franco favorito. O time tem muito mais qualidades do que defeitos e se analisarmos o nível técnico e de gastos de seu adversário, é obrigação do time do cerrado vencer e vencer bem. Mas se até o Jogo das Estrelas em Uberlândia, vencê-los parecia tarefa inusitada e quase impossível (haviam perdido uma, em Joinville), a partir dali, a coisa desandou: foram 7 vitórias e 4 derrotas na competição (se incluirmos os números da Interligas, o retrospecto chega a 9 vitórias e 5 derrotas). De imbatível, o Universo não caminhou diretamente para a crise (até porque a série ruim não foi desastrosa o suficiente para lhe tirar o primeiro lugar da temporada regular), mas sem dúvida acendeu o sinal de alerta de que as coisas seriam um pouco mais complicadas do que pintavam.
Pelo lado do time de Guerrinha, é possível separar o rendimento do time em quadra, pelo menos do ponto de vista de estilo de jogo, entre o antes e o depois da lesão de Alex. Se do ponto de vista da eficiência, a perda do ala não significou tanto assim, sem dúvida o time passou a jogar diferente. Antes de se machucar, Alex aparecia em quadra por 26 minutos, garantindo modestos 9 pontos, 4 rebotes e 2 assistências. Sua presença, porém, era mais importante no jogo físico que desempenhava dos dois lados da quadra. O time produzia pouco mais de 81 pontos em média e sofria 79. Sem ele, o time certamente sofreria muito mais para enfrentar jogadores mais rápidos no perímetro. Não deu outra: de 79 pontos por jogo, a defesa passou a vazar 84 pontos por partida. Em um ritmo mais rápido e com o crescimento de Eddy (ganhou tempo de quadra) e Jeff (melhor adaptado), nos 14 jogos sem Alex, o time passou a pontuar 87 por jogo, evoluindo em 6 sua média.
Isso não quer dizer especificamente que Bauru tem melhor vida sem o ala. Aliás, dizer algo do tipo seria um disparate, uma vez que continua sendo um problema para Guerrinha encontrar uma boa rotação para o jogo exterior. Mas no mínimo mostra que sua ausência foi bem preenchida e que, sobretudo, o time encontrou outras maneiras de se portar em quadra sem um dos principais jogadores.
Esse novo time de Bauru, pasmem, tem Fischer como principal cestinha: 16 pontos por jogo, 50% da linha dos 3! O alienígena, Larry Taylor vem logo atrás, mantendo seus já conhecidos números: cerca de 15 pontos por jogo, 5 rebotes e 5 assistências.
Como já fizemos aqui com o texto sobre o Pinheiros e o São José, lanço mais um (dessa vez bem longo, como podem perceber) que analisa os playoffs do NBB do ponto de vista do mais fraco. Até porque, se seguirmos os padrões e o ponto de vista dos favoritos, basta escrever que para o time de Lula é seguir fazendo o que tem feito e tomar cuidado com Larry Taylor. Para Guerrinha, o caminho é mais longo.
O caminho para o milagre é a defesa
Mais uma das obviedades que não podemos deixar de mencionar: o caminho para uma imponente e surpreendente vitória do time de Bauru só pode ser a defesa. Para isso, preparei uma análise das partidas que o Universo perdeu no NBB. O ideal de defesa para aniquilar as situações ofensivas de Lula e sua trupe seria seguir o caminho do Peñarol de Mar del Plata, fato que acho bem difícil do Bauru conseguir. Paulo Murilo deu uma lição e disponibilizou em seu blog a vitória de seu time contra o Universo. O caminho é mais possível, mas precisa ser treinado o suficiente para funcionar e já estamos em cima da hora.
De qualquer maneira, observando os números das derrotas do Brasília no NBB, é possível encontrar algo fundamental: o baixo aproveitamento da linha distante dos favoritos ao título. A média de acertos em dias de derrota para três pontos deles é de 28%. É o fator diferencial que explica a queda vertiginosa de 10 pontos entre os dias de vitória e derrota. É esse o caminho: trancar o perímetro. O jogo interno do time do Universo rende bem em dias de derrota. Guilherme Giovannoni, por exemplo, tem mais de 50% lá embaixo, enquanto pra linha de fora despenca em 28%. Alex, o outro principal jogador da equipe – que tem a característica, diga-se, de não parar de chutar, esteja a bola caindo ou não, em derrotas enumera patéticos 20% de aproveitamento lá de longe.
Eric Tatu pra fora do buraco
Com o perdão do trocadilho absolutamente irresistível, o torcedor de Bauru pode até achar que eu estou enlouquecido, mas tenho a sensação de que Eric Tatu pode ser um dos nomes dessa série, para o bem e para o mal. Eu explico.
Dos matchups que o técnico Guerrinha menos gostaria de lidar, certamente está na capital federal o mais temido. Se há um jogador que pode parar o alienígena Larry Taylor no NBB, ele se chama Alex Garcia. Para o terror do torcedor do interior paulista, os principais atletas da rotação não têm características de condução de bola, leitura de jogo e passe, coisas fundamentais em confrontos em que o seu principal armador definidor é marcado quadra toda. Ou alguém imagina Fischer, Soro, Agba ou Eddy trazendo a bola em uma transição ou liderando ações ofensivas quando Alex estiver no cangote de Taylor?
Se Lula tiver a óbvia (latente, gritante, absurdamente lógica) idéia de pressionar Larry Taylor quadra toda, usando o melhor marcador da equipe para isso, deixará Guerrinha absolutamente vendido. E é aí que entra o único jogador do elenco bauruense capaz de desafogar Larry na armação: Eric Tatu. A questão é: Guerrinha estará atento para esse contra-veneno? Preparou a equipe para jogar com dois armadores principais, empurrando Larry para um jogo sem a bola, fugindo de bloqueios e tentando forçar faltas em Alex?
Eu acredito que, se Guerrinha forçar o jogo em Larry como o “playermaker” e “go-to-guy” simultâneo que ele costuma ser, mesmo marcado quadra toda por Alex, é o caminho pra derrota se construindo a passos largos. Caso consiga preparar a equipe já para o veneno óbvio de Lula, a série tem fôlego.
Saber atacar
Outro “segredo” das equipes que bateram Brasília está no calibre das mãos: nos cinco jogos perdidos no NBB, Brasília permitiu aos rivais 47% de acerto da linha de fora, um número bastante alto – nas vitórias, o time permitiu aos adversários apenas 35% nas bolas de longe.
Não assisti a todas as partidas em que Brasília foi derrotada essa temporada. Mas certamente, nos jogos que vi – mesmo em vitórias, um dos maiores problemas da equipe se mostrou na alternância de defesa. Quando a defesa individual do time da capital federal não funciona, Lula apela para um dos momentos mais frágeis de sua noção tática: a defesa zona brasiliense. Independente do número de homens na cabeça do garrafão, todas as alterações até hoje propostas por Lula que trouxeram a defesa em zona para a quadra permitiram muitos arremessos da linha de fora. A má pontaria de equipes do NBB premiou a mudança de estratégia algumas vezes. Mas quando as mãos estão quentes, a falta de pressão no homem da bola, o espaço muito grande entre os marcadores e a linha do chute e a fraquíssima noção de interceptação de passes. O motivo dela ter dado certo tantas vezes ao longo do ano é uma tensa noção que se tem em nosso basquete, que vem desde a base e nos invade profissionalmente, de que a melhor maneira de se enfrentar uma defesa zona é chutando para 3 pontos! Não é! O chute de 3 pontos é uma das armas para combater esse tipo de defesa, mas longe de ser o único. No caso específico de Brasília, costuma ser justamente isso que Lula quer: instigar o adversário ao chute para rebotear e contra-atacar, em alta velocidade, com seu poderoso elenco. O expediente, sejamos justos, não exclusivo de Lula. Ele se repete inúmeras vezes por nossas quadras e, enquanto os rivais não entenderem uma maneira mais inteligente de lidar com isso, continuarão premiando essa mediocridade.
Cabe ao time de Bauru escolher o momento e as mãos certas para cada arremesso, não forçando o jogo especificamente em Larry Taylor. Fischer tem um ótimo aproveitamento e deve ser explorado. Soro também é bastante preciso e lá embaixo, o time tem um pivô que não foge do pau: Jeff Agba. Eddy também é físico o suficiente para encarar o garrafão de Brasília de peito aberto (embora Estevam, Cipriano e Guilherme formem uma rotação muito mais completa, sem sombra de dúvidas).
Guerra de nervos
A torcida bauruense costuma chamar seus atletas de “guerreiros”. Está na hora deles comprovarem isso dentro de quadra. Um dos pontos fracos do time de Brasília, tantas vezes bem ressaltado pelo comentarista Byra Belo no Sportv, é o emocional. Lula e seus comandados não reclamam e fazem pressão o tempo todo na arbitragem como estratégia para levar vantagem (como fazem, por exemplo, os argentinos em competições internacionais). Eles realmente não conseguem controlar os maus momentos do jogo e se voltam totalmente contra os apitadores.
Esse ano, Guilherme, Alex e Nezinho já se envolveram em confusões dentro de quadra. Nem precisamos lembrar de Mineiro, uma espécie de Rasheed Wallace brasileiro. O começo da queda, aliás, tem muito a ver com a dificuldade do time em lidar com torcedores e times que os provoquem, lá em Franca, no primeiro jogo desde a volta do Jogo das Estrelas (na ocasião em que Mineiro ficou banguelo).
Bauru pode explorar isso se tiver inteligência e provocar os mais esquentados de Brasília. O ginásio do luso favorece isso e o público fanático da cidade certamente fará a sua parte. Mas se os jogadores, em quadra, promoverem um jogo de compadres, os melhores vencerão, e me parece claro que os melhores estão defendendo as cores do Universo. Não estou pedindo para que o time de Bauru encare o jogo com violência ou coisa do tipo: isso seria uma estupidez, uma vez que faltas mais fortes e agressões no basquete costumam custar caro no placar. Só acho que, se está nos planos de Bauru passar de fase, precisa encarar o jogo como uma guerra.
Fotos: LNB Assessoria – via Sergio Domingues – HDR Photo.
Guilherme Tadeu de Paula
guilhermetadeudepaula@gmail.com