Coragem e decisão, por Prof. Paulo Murilo
“Desejo a todos os jovens do Brasil que desejem seguir a carreira de jogador de basquete que sejam diferentes, acima de tudo e de todos, só assim vocês conseguirão entrar em uma quadra e serem alguém. Se forem iguais, a quadra os rejeitará, ali não é lugar para igualdades, abs, WM”.
Dessa forma, o grande Wlamir Marques encerrou sua entrevista ao Jones Mayrink do blog Dunkover, onde expôs brilhantemente seus comentários à respeito do momento preocupante por que passa o basquete brasileiro.
E respeitosamente faria um adendo: E quando essa negativa igualdade ocorre entre todas as equipes internacionais, nacionais, regionais e municipais, onde é praticado um basquetebol clonificado num principio técnico-tático idêntico a todos, numa aceitação indiscutível e anacrônica?
Quando conheceremos algo de novo, aquele algo que impulsionará o grande jogo para fora deste imposto sistema globalizado?
Hoje, assistimos aos jogos iniciais do Pré-Olímpico, e o que constatamos, senão a repetição tediosa e monocórdia de um sistema de jogo praticado desde Cabo Verde até a possante Croácia, onde a colocação de um embate 5 x 5 nada mais é do que o confronto dos 1 x 1, 2 x 2, 3 x 3, 4 x 4 e 5 x 5, de carimbados e rotulados jogadores em suas posições especializadas, que quanto mais preparados forem nas mesmas, maiores as chances de vitoria de suas equipes, num carrossel de exibições personalizadas que contrastam frontalmente os discursos coletivistas de seus técnicos. É o sistema de jogo que levou às alturas os cracões da NBA, propiciando aos mesmos suas performances de gala, protegidos pela crueza não intervencionista de indesejáveis, e até punidas pelas regras especiais, flutuações e coberturas defensivas. É um modelo vencedor para aquelas circunstâncias de jogo, mas que quase sempre sofre severas restrições quando sob a égide das regras internacionais. No entanto, num processo global , onde os poderes de mídia e de movimentações bilionárias de recursos, passou a ser cartilha única para o restante do mundo, com um único e alentador porém, sua inadequação à realidade de um basquete regido por regras, onde algumas equipes tendem a anular tão globalizado poderio.
Incrivelmente, com algumas e inteligentes adaptações, as equipes européias e a argentina em particular, ao utilizarem-se de dois efetivos armadores em quadra, conseguem ampliar em muito as opções ofensivas, mesmo que obedeçam as movimentações padronizadas do sistema comum a todos. E é esse sutil pormenor que nos enche de esperanças numa saudável contrafação ao abominável sistema que escraviza e engessa a todos. Até lá, veremos pivôs virem ao perímetro externo provocar corta-luzes, um mar de passes lateralizados em busca dos arremessos de três livres, não um, mas “muitos passes a mais”, conforme a cartilha vigente, e a ausência de criatividade ante defesas zonais.
Tenho a nítida impressão de que os americanos tenderão a quebrar, numa incoerente ação, os grilhões que os prendem ao sistema NBA, isso porque, ao sentirem na pele os retumbantes fracassos nas três últimas grandes competições internacionais, procuraram no meio universitário, tradicionalmente aberto ao novo, à pesquisa e ao estudo competente, o embasamento para, com seus profissionais de primeira linha, demoverem o muro que eles mesmo construíram. E talvez, após a Olimpíada de Pequim, tenhamos a presença de algo realmente novo, de algo que se confrontará com aquelas equipes européias classificadas e a argentina, que com suas formas diferenciadas de jogar , os inspiraram na busca de uma formula para vencê-las. Será um belo embate de escolas , onde o aluno aplicado tudo fará para derrotar seus inspiradores mestres.
E nós, na luta para uma classificação, junto àqueles países que comungam da mesma fonte, o basquete pasteurizado presente ao Pré, com talvez uma única exceção grega, ainda não plenamente demonstrada, o que faremos?
Se algo de diferente e impactante deveríamos apresentar, em momento algum passa pela mesmice técnico-tática que apresentamos nos jogos preparatórios, pois posição por posição, somos inferiores aos nossos mais temidos rivais, excetuando-se o Spliter, que é o melhor pivô de todos. Mas é muito pouco para nos impormos com decisão, o que nos leva a um impasse, que nem “um passe a mais” resolverá a contento, a não ser que subvertamos a ordem vigente, aquela que esperam de nós, a obediente aceitação, pura e simples, do sistema único.
Que tal entrarmos, mesmo na movimentação usual, com os dois armadores em quadra, alimentando os três homens altos contínua e sistematicamente, empurrando a defesa para dentro do perímetro, forçando-os às faltas pessoais, e, propiciando voltas de bola de dentro para fora do mesmo para arremessos livres e equilibrados, e principalmente, agilizando o sistema defensivo, imbuindo-o de velocidade antecipativa e atenta, originando os contra-ataques tão ao nosso gosto e capacidade?
Serão três jogos decisivos, três únicos jogos, onde cansaço não pode ser desculpa para ninguém, que plagiando a grande Hortência, terão o tempo que quiserem para descansar ao se classificarem, e mais ainda, repetindo as palavras do também grande Wlamir, que ali (a quadra ) não é lugar para igualdades.
Que sejam felizes, audazes, e acima de tudo corajosos.
Amém.
Paulo Murilo
O Prof. Paulo Murilo Alves Iracema é professor da UFRJ (aposentado), técnico atuante de basquetebol, doutor em Ciências do Desporto – FMH -Lisboa, licenciado em Ed.Física pela EEFD/UFRJ, bacharel em Jornalismo Audiovisual pela ECO/UFRJ e é responsável pelo blog parceiro do DB, Basquete Brasil e é nosso colaborador desde o ano passado.