Crônica de um recorde negativo: Pinheiros e Vitória
Vitória?
Na bela manhã do último sábado, véspera das eleições que levariam a primeira mulher à presidência da república, encarei a ensolarada Vitória para no ginásio Jones dos Santos Neves assistir ao início de caminhada de duas equipes do NBB: o Pinheiros e o Vitória.
Mal sabia, quando tomei o 211 que me deixou praticamente na porta do ginásio municipal que estava perto de presenciar um recorde: a maior diferença de pontos do NBB. Recordes assim, no entanto, só podem ser tomados como negativos. Não celebrei, mas compreendi.
Placares assim, 109-51, tão comuns em estaduais e no antigo campeonato da CBB, ficaram na história, graças à evolução de nosso basquete. O time de Vitória, não se enganem, não é tão ruim quanto a surra vai sugerir. Na noite anterior ao confronto, que teria ingressos custando 10 reais, o time recebeu a determinação que não poderia contar com seus principais atletas. O motivo era de documentação, fruto do conturbado processo que contou com a trapalhada parceria com a Metodista e culminou com a vinda do ex-técnico Ênio. Junto com ele, chegaram Joel Muñoz, Eddy e Guilherme Filipin, entre outros, que não puderam jogar. Os quatro, ao lado de um pivô (que pode ser Rodrigo Bahia), formarão um time interessante, ainda de fundo de tabela, mas que poderá incomodar em um jogo ou outro.
A maior dúvida que passava pela minha cabeça era como profissionais como os cinco, acima citados, podiam enfrentar o desafio, novamente, de correr o risco de passar pelas dificuldades de salários, de estrutura, simplesmente para jogar o NBB 3. Guilherme e Ênio aguardaram por Londrina até o fim, mas não há dúvidas que o primeiro teria chance –e houve propostas concretas, para citar, de Joinville, por exemplo, entre outros lugares. Mesmo Ênio, profissional experimentado e que provavelmente entrará para a história como o treinador que menos recebeu salários da história do NBB, conseguiria uma melhor vida se experimentasse a academia, ou quem sabe um cargo mais burocrático, como fez Lula Ferreira. Joel Muñoz, nesse meio termo, chegou a jogar no basquete da República Dominicana e optou por voltar. Eddy estava em Bauru, e, ainda que não gozasse de total prestígio sob o comando de Guerrinha, figurava na rotação de um time que certamente estará nos playoffs. O que mantinha ainda maior o ponto de interrogação na minha cabeça era um dado: nenhum dos cinco, que formam o núcleo principal do time da capital capixaba era desavisado do assunto. Todos sabem, com segurança, que esse novo Vitória é o time de Alarico Duarte, que se separou do Saldanha e tenta sustentar, como proprietário, essa nova franquia.
Tão logo foi confirmada a impossibilidade dos atletas principais jogarem, todos os alarmes reacenderam. Convenhamos, não é a melhor maneira de começar uma temporada, e, menos ainda, de começar uma nova equipe. A diretoria, o Alarico, prudentemente, decidiu que se trataria de um jogo com portões abertos – e que acabou recebendo um bom público. A imprensa capixaba, impressa radiofônica, e televisiva estava lá, o que marca o bom trabalho de sua assessoria de imprensa, solícita e atenta, na pessoa de Mônica Santos.
De um Dieguinho inspirado, restou algo de positivo no início da temporada. Ao lado dos titulares, o armador nascido em 88 pode ser uma das revelações do NBB 3. Para além disso, fica a torcida para que dessa vez as coisas por lá sejam diferentes. O que me garantiram, alguns desses atletas, tentando resolver esse enigma que me incomodava, era que a diretoria do Saldanha, o Alarico, sempre propiciou o melhor para os atletas no ponto de vista de acomodações e relações pessoais. Há de se concordar com qualquer um que opte pela linda cidade de Vitória, uma vez que tenha garantidas algumas condições básicas de vida. Será o suficiente?
Do ponto de vista da nova franquia, me parece que dessa vez haverá mais dinheiro público. É um palpite, reitero, não é uma informação. O time ainda tenta buscar parcerias até para conseguir trazer jogadores. A estrutura de acomodações proporcionada e a promessa que “dessa vez será diferente” pode garantir a contratação de alguns jogadores do segundo escalão brasileiro – que estão disputando o Paulista por equipes que não estão na liga ou de atletas que estejam em outras regiões (como o caso de Rodrigo Bahia, por exemplo). Há, como sempre, nos bastidores, a esperança pela contratação de um pivô estrangeiro. Isso depende do dinheiro arrecadado por Alarico, que, não por acaso, semanas atrás, foi parar no hospital.
No entanto, enfrentar uma das potências do basquete brasileiro, que vai na contramão de toda essa confusão que aqui estabelecemos, escancarou num placar elástico, as grandes diferenças de nosso basquete. Ainda que na quadra, a partir de treinamentos, entrosamento e espírito aguerrido desses jogadores que mencionamos, a diferença parecerá menor – como por exemplo mostrou Paulo Murilo com o extinto Saldanha da Gama na épica vitória contra o Universo Brasília, o campeão do ano passado – Pinheiros e Vitória são pólos opostos do que há no basquete nacional e, por mais simpatia que podemos ter pela cidade e pela própria equipe, seria uma temeridade presenciar isso e não relatar aqui, por mais óbvio que o pareça.
O outro lado da moeda
Da estrutura física dos atletas aos seus uniformes, em que se pese ainda não ter chegado os blusões da atual fornecedora de materiais esportivos o que obriga a equipe a usar a do ano passado, o Pinheiros é parte daquelas franquias às quais de fato o NBB se assemelha às ligas independentes ao redor do mundo.
Ao olhar o elenco, não resta dúvida de que se trata de um time aspirante a coisas grandes no campeonato. Disputado para vencer o Paulista e brigar na ponta no NBB 3, o time foi construído há um tempo e não baseia as suas contratações à base de pequenos patrocinadores que vão transformando a camisa num abada.
Estive na vitória de estréia contra o Vitória, em Vitória, o que não acabou por demonstrar muita coisa além de uma escancarada e tediosa superioridade. Aproveitei para conversar com gente do elenco que sob pressão, disputará os playoffs do Paulista logo no começo do NBB.
É isso que assusta, por exemplo, Claudio Mortari, que exerce uma função no Pinheiros que julga ser pioneira no país: “sou o primeiro, mas acho que vai virar uma tendência. O técnico mais velho cuidando da parte gestora, e o João só tem o trabalho de se preocupar com o time, dentro de quadra”. Lhe pergunto sobre a adaptação do time, que daquele basquete de velocidade do ano passado tenta se adaptar a algo mais controlado, nas mãos do francano João Marcelo e ele, sincero, explica: “Olha, eu não acho que basquete seja assim, acho que o basquete é mais rápido, mais dinâmico, mas esse é o novo estilo que tem se praticado no mundo, se você ver o que foi o Mundial de Basquete, agora mesmo, mas o time vai se adaptar bem. Eu participei na escolha do João Marcelo como técnico, e sei que vem de bons resultados recentemente, onde passou fez boas coisas, então decidimos apostar nele. O Pinheiros tem uma estrutura, eu sou funcionário, o João é funcionário, a preparação física, etc, cada um é independente, são funcionários do clube”.
O patrocínio da SKY era direcionado a vôlei, mas de maneira hábil, José Fernando Rossi, diretor de esportes do clube, conseguiu com que os investidores apostassem no basquete. O time que já tinha Olivinha e Shamell repatriou Marquinhos, que jogou pela equipe no NBB 1, Bruno Fiorotto, tirou de Joinville o ala André Góes e trouxe do Atenas Córdoba o talentoso e disciplinado Juan Pablo Figueroa, armador argentino indicado por ninguém mais ninguém menos que Ruben Magnano.
Bati um papo com o armador, que conta que ainda está se adaptando. Com muitos problemas de lesão, o ótimo defensor fez pouquíssimos jogos. No entanto, viajou com a equipe em várias ocasiões no Campeonato Paulista e se disse impressionado pelo equilíbrio das partidas no Brasil. Comentou também que se surpreendeu com o que aconteceu com Lamonte, antigo rival na Argentina (seu Atenas perdeu para o Peñarol de Lamonte na final da liga no ano passado). Sobre a seleção, disse que hoje não há nenhum armador argentino que sequer chegue perto do nível que joga Prigioni e que sua meta é trabalhar para conseguir ajudar a seleção no futuro próximo. No Pinheiros, sabe muito bem da sua função: “Não vim para fazer muitos pontos, sei o que tenho que fazer. Tenho que organizar e ajudar com que o time pareça um time, jogue como um time”.
Simpático e solícito, Figueroa é a peça que pode dar organização a esse time que ainda conta com o incisivo Morro (que deve ter dado umas 40 enterradas contra os juvenis capixabas), com o contestável Bruno Mortari, o highlander Josuel, a dupla miniatura Gustavinho e Thiaguinho e Thomas.
Organização, um bom elenco, e estrutura de trabalho garantem muita coisa. Não o suficiente para o título. É por isso que Olivinha, Marquinhos, Figueroa, Shamell, João Marcelo e companhia terão que encontrar algo mais do que vem mostrando no Paulista para de fato se posicionar como poderoso no Brasil. Flamengo e o atual campeão desmontado, Brasília, não por acaso, estiveram em sua frente em nosso primeiro ranking.
Guilherme Tadeu de Paula
guilhermetadeudepaula@gmail.com
Editor do site