Deixando para trás
28 de março de 2003. Esta data pode ter passado despercebida para muitos fãs do basquete, mas para poucos, este dia tem muita importância.
Michael Jordan estava disputando sua última temporada – em definitivo. Ele fazia parte do Washington Wizards, que ia enfrentar os Lakers em Los Angeles. Ele tinha acabado de completar 40 anos de idade. Já não tinha mais o mesmo condicionamento físico e fazia a maior parte de seus pontos em arremessos de ‘fadeaways’. Os Wizards estavam na luta por uma das vagas nos playoffs e vinham de 2 vitórias seguidas em Portland e Seattle. E enquanto Jordan continuava mostrando sua genialidade, ele precisava tirar um dia de folga para descansar antes da partida contra os Lakers.
O confronto no Staples Center tinha tudo para ser uma festa em homenagem a Jordan, como cada partida daquela temporada de despedida dele acabou sendo. Mas quando o jogo começou, Kobe Bryant reinou. Foi o último – e o mais surpreendente – dos 8 confrontos diretos contra Jordan na sua carreira. Bryant terminou com 55 pontos, convertendo 9 dos 13 arremessos da linha de 3 pontos. Jordan marcou modestos 23 pontos com um aproveitamento de 10-20 nas tentativas de arremessos.
“Foi incrível”, se recordou o ex-companheiro de equipe Mark Madsen. “Ele chutava as bolas de 3 pontos sem drible e passes, os adversários o marcavam e ele apenas passava por cima.” Para muitos jogadores dos Lakers, aquela partida continuará a ser a imagem permanente de MJ X Kobe. Bryant se recusou a comemorar o triunfo da última partida contra Jordan.
Onze anos depois, aquela noite pouco se diferencia de tantas outras na profunda carreira bem-sucedida de Kobe. Ele marcou 50 ou mais pontos por 24 vezes. Seus 55 pontos naquele jogo representam uma fração dos 32.310 que ele já registrou. Mas aquela partida foi simbólica. O ex-companheiro de time Rick Fox disse que aquela noite, Jordan passou o notório bastão para Bryant. “Kobe sempre tinha um ataque, uma mentalidade de caçador”, reforça. “Ele queria se igualar a Mike competindo contra ele, ao invés de apenas observá-lo.”
Neste domingo (dia 14/12) em Minneapolis, Bryant ultrapassou o jogador contra o qual ele foi comparado desde quando descartou o ensino médio em 1996. Com um lance livre, ele superou os 32.292 pontos de Jordan e assumiu 0 3º lugar na lista dos maiores cestinhas de todos os tempos da NBA. Bryant, em seguida, somente ficará atrás de 2 ex-jogadores dos Lakers: Karl Malone (36.928 pontos, embora a maioria deles tenha sido anotada com o Utah Jazz) e o líder Kareem Abdul-Jabbar (38.387 pontos).
Isto é uma marca que Bryant parece não valorizar mais, mas também nada menos, do que qualquer outra. “Eu só lembro disso quando me perguntam sobre”, afirmou Bryant, como se a contagem regressiva o aborrecesse. “Eu vou lá e jogo. Vai acontecer eventualmente.” Ele está nas últimas etapas de uma carreira exaustiva, correndo contra o tempo, perseguindo a história, e esses inevitáveis recordes são meras verificações para Kobe, como aqueles pontos onde os voluntários distribuem água para os maratonistas. “Realmente não é uma grande coisa dizer que eu superei ele em algo como isso”, disse Bryant. “É uma grande conquista, mas a verdadeira admiração disto vem da minha jornada.”
Esta jornada começou em 1996, quando os Lakers realizaram uma troca no dia do Draft, mandando o veterano pivô Vlade Divac para o Charlotte pelos direitos de Bryant. Não demorou muito para que as comparações com Jordan começassem. Uma geração de jogadores da NBA que entraram na liga na década de 90 foram rotulados como o “próximo Jordan”, entre eles, Grant Hill, Jerry Stackhouse e Vince Carter. E, especialmente Bryant.
“Acho que cada geração teve um jogador deste tipo,” disse o atual técnico dos Nuggets e ex-jogador dos Lakers, Brian Shaw, “mas creio que Jordan, no geral, é quem a maioria dos jogadores queriam imitar.”
Enquanto estes jogadores viveram vários graus de sucesso, nenhum foi mais parecido com MJ do que Bryant. Uma série de compilações publicada no YouTube pelo usuário Youssef Hannoun (veja no vídeo abaixo) capturou as semelhanças em detalhes impressionantes. Nelas, Jordan aparece fazendo algumas jogadas e Bryant faz de forma semelhante.
Repetidamente, pequenos momentos na história foram arranjados: fintas, dribles e enterradas. Kobe e Michael. ‘Turnarounds’ e ‘fadeaways’. Bryant e Jordan. Caretas e gestos. “Eu estudei todos eles”, disse Bryant. “Todo mundo. Absolutamente todos. Oscar Robertson, Michael e George Mikan. Eu literalmente assisti a todos. Bob Pettit. Walt Frazier. Eu assisti todos estes caras.”
Mas Jordan era diferente dos outros jogadores. Durante vários anos, ele e Bryant foram igualados. Bryant não procurava clipes de Jordan, ele simplesmente esperava até o próximo duelo dos Lakers com os Bulls, e mais tarde com os Wizards, para aproveita-los.
E Bryant sempre tentou tirar proveito disto.
“Michael sempre aterrorizava todo mundo”, disse Bryant. “Todos realmente ficavam com medo dele. Realmente, com muito medo dele. “Eu nunca entendi muito isso e era o único que estava disposto a desafiá-lo e aprender com ele, sem ter medo de chamá-lo e questioná-lo. Ele sempre estava disposto a conversar e me ajudou muito.” Bryant se descreve como sendo “farinha do mesmo saco” como Jordan. “Mesmo aos 17 anos, eu não tinha medo de ninguém”, revela Bryant. “Ele e eu somos muito parecidos. Nós desafiávamos qualquer um. Somos de uma raça rara a esse respeito.”
As semelhanças entre os dois continuam. Kobe jogará por, pelo menos, mais uma temporada depois da atual, mas mesmo esta tem a sensação de despedida. Os mais jovens, como Klay Thompson e Bradley Beal, apareceram com a missão de desafiá-lo. Enquanto ele continua sendo extremamente eficaz, com média superior aos 25 pontos/partida, agora ele é considerado velho. Na semana passada, em Detroit, ele estava exausto, e ficou no hotel da equipe para descansar, enquanto o resto dos jogadores dos Lakers foram para o treinamento.
Agora, ele é o único que utiliza quase que exclusivamente arremessos ‘jumpers’. Parafraseando um dos grandes comandantes militar norte-americano, o general Douglas MacArthur: arremessadores velhos nunca morrem, apenas usam ‘fadeaways’. Bryant diz que não está preocupado em superar Jordan na lista dos maiores pontuadores, porque este não é o número que ele sempre focou. “Crescer assistindo Magic Johnson, Bill Russell e Michael Jordan e seus legados”, disse Bryant, “foi algo relevante. Não se tratava de 1 ou 2 títulos. Era sobre o fato de você ter que ganhar 5 ou 6 campeonatos. Esse foi o padrão “. Jordan tem 6, Bryant tem 5.
Ultrapassar Jordan na lista dos cestinhas não significa de modo algum que Kobe substituiu a lenda do Chicago Bulls como o melhor jogador da história. Para isso acontecer, Bryant precisará ainda de 1.268 jogos para chegar lá, ou 196 jogos a mais que Jordan, ou mesmo ter uma média de pontos melhor.
Jordan registrou uma média de 30,1 pontos/partida em sua carreira, mais do que a média de Bryant em todas as suas temporadas com exceção de 2 delas. Bryant está em sua 19ª temporada, Jordan jogou apenas 15. Aposentou-se por 2 vezes, perdendo 4 temporadas. Jordan marcou seus últimos 2.851 pontos como um membro dos Wizards, quando ele tinha 39 e 40 anos de idade. Esses detalhes fazem com que o caso de Bryant superar Jordan não seja tão significativo como possa parecer. Mas esses são números cruéis e que não permitem discussão no contexto.
Para começar, Bryant jogou com Shaquille O’Neal por aproximadamente a 1ª metade de sua carreira nos Lakers. “Mike foi a âncora com os Bulls”, disse Fox. “Tudo começou e terminou com ele. E nem sempre começou e terminou com Kobe.” Para Shaw, que também foi um dos assistentes técnicos de Phil Jackson no comando dos Lakers, Jordan continua sendo o melhor jogador na história da NBA.
Mas Bryant está próximo dele. “Acho que Kobe é um dos 2 melhores atrás dele”, disse Shaw, “e que não há muita diferença entre os dois.” Shaw previu que Bryant descreveria o fato de passar Jordan na lista dos maiores pontuadores como “apenas outra marca histórica”, mas afirmou que, em um nível mais profundo, isto significa muito mais. “É óbvio que Jordan era alguém que Kobe idolatrava e admirava”, disse Shaw. “Além disso, ele fez várias coisas importantes na sua carreira até este ponto. E acho que será uma das coisas que ficará marcada na história.”
Sempre mantendo a mente em direção à história, ele disse: “Eu sinto uma grande sensação de realização por ter carregado um legado de 2 armadores como Jerry West e Michael Jordan. Me sinto ótimo sobre isso.”
Se Bryant, que já era provavelmente o melhor armador da NBA em 2003, pegou o bastão de Jordan com sua performance de 55 pontos, quem será que vai tomar dele? “Não é minha responsabilidade”, enfatizou Bryant. “Alguém vai aparecer e apenas tomará de mim.”