Entrevistamos Pilar, o jogador que faz história…no Paulista 2009
Em plena Copa América, é difícil prestar atenção em qualquer outra coisa relacionada ao basquete que não seja a seleção brasileira.
O eterno hábito de debruçar sobre estatísticas, contudo, levou-nos a descobrir que um jogador coletava números cada vez mais intrigantes no Campeonato Paulista. E não estamos falando aqui das estrelas mais conhecidas, como Shamell, Rafael “Baby” Araújo, Rogério ou Larry Taylor, mas sim de Henrique Macia Alves da Cruz, mais conhecido como Pilar, principal destaque do Metodista/São Bernardo que, após 6 rodadas, de forma surpreendente, possui a melhor campanha do Campeonato Paulista 2009/10.
Com médias de 22,2 pontos (aproveitamento de 72,9% nos arremessos de 2 pontos); 9,3 rebotes; 3,5 assistências; e 2,5 roubos de bola por partida, Pilar lidera com folga o ranking de eficiência do campeonato (30,3 pontos contra 24,1 de Larry Taylor, do Bauru). Números espantosos para esse ala-pivô de 2,00 metros de altura e 25 anos.
Se para o público em geral, todo esse sucesso espanta, para quem acompanha há mais tempo as divisões de base do basquete de São Paulo, Pilar já é velho conhecido. Ele sempre disputou o título de maior destaque de sua categoria com o ala Marquinhos (ex-NBA e ex-Pinheiros) e em algumas ocasiões, saiu vencedor.
Depois, já na categoria adulta, chegou a disputar, sem tanto destaque, campeonatos nacionais pelo Keltek/Basketball e, mais recentemente, pelo FTC/Bahia.
Dono de uma personalidade forte, Pilar chegou a pensar em cursar a faculade de filosofia, mas acabou optando pelo curso de história. Em nossa entrevista, ele demonstra que o sucesso no Paulista 2009 não lhe subiu à cabeça e nos conta um pouco das dificuldades encontradas por quem escolhe seguir carreira no basquete.
Draft Brasil: Você sempre se destacou nas categorias de base em São Paulo. Agora, alguns anos depois, é a sensação do Paulista 2009. Na sua visão, por que o sucesso na categoria demorou a chegar?
Pilar: Não vejo o que tenho feito no paulista como um sucesso. Foram apenas 6 jogos e é muito cedo pra tirar alguma conclusão. Mas se devo alguma coisa pelas minhas boas atuações isso se deve ao conjunto da equipe da Metodista. É mais fácil jogar quando a equipe está articulada, quando o clima é ameno para se sentir à vontade e quando se tem um objetivo que não é pequeno onde todos treinam duro, um puxando o outro.
Draft Brasil: Nas competições de base, um dos seus grandes duelos era contra o ala Marquinhos, que chegou a atuar na NBA. Por que as suas carreiras tomaram rumos tão diversos na passagem para a categoria adulta?
Pilar: Sempre joguei contra o Marquinhos na categoria de base. Porque nossa carreiras tornaram se muito distintas é difícil um respostas com precisão. Ele sempre foi muito talentoso e muito grande, ele jogou uma seleção Brasileira que foi onde começou a levantar expectativas em cima dele. Naquela época também estava jogando bem, mas passava por uma fase complicada da minha vida. Foi estranho também, fui convocado para essa seleção, mas no dia seguinte à convocação fui dispensado, talvez por causa de uma dispensa que pedi numa seleção paulista um tempo antes.
Naquela época treinava em três categorias, cadete, juvenil e adulto; e, na minha cabeça, eu tinha uma meta, acreditava em mim, mas machuquei as costas e aí nasceu um dúvida em mim: Será que é isso mesmo que quero fazer da vida? A vida de atleta é dura e faz com que você tenha de abdicar de muitas coisas na vida e isso começou a pesar pra mim. Pus em dúvida meu futuro como profissional. Essa transição de fazer o que eu amava, no sentido que ainda era um lazer, para ser um profissional foi o ponto duro de ultrapassar. Tem pessoas que sentem menos tal transição. Mas pra mim foi um coisa que só aprendi a ser quando me mudei para Curitiba. Agora, aprendi que na quadra eu tenho que esquecer que sou profissional e usar a paixão pelo jogo a qual cultivei ao longo da minha vida inteira. Pensar assim me ajuda muito. Posso dizer que não tive um trajetória linear de carreira e isso me fez perder muito tempo de treinamento e principalmente experiência. Isso o Marquinho teve. Agora se tivesse tido essa trajetória podia acontecer de ter um destino outro…ou talvez não também. O que poderia ter sido não dá para saber, mas também não me importa mais. Acumulei nesse tempo experiências de vida muito importantse para a minha formação como pessoa e isso é o que mais me importa.
Draft Brasil: É verdade que você chegou a abandonar o basquete para cursar a faculdade? Conte-nos um pouco sobre essa história.
Pilar: Nunca cheguei a abandonar o basquete por causa da faculdade. Abandonei por causa dessa questão que escrevi acima. Fui morar em San Diego, para aprender inglês e fugir um pouco dessa questão que estava me incomodando e que acabava por cair num ser ou não ser inativo. Fui para lá, fiquei 6 meses, vivi em outra cultura, amadureci muito e voltei, quando aqui fui convidado pelo Neto, hoje assistente técnico da seleção brasileira, para jogar no Paulistano. Mas nenhum momento foi por causa da faculdade.
Draft Brasil: O atual técnico da seleção brasileira, Moncho Monsalve, sustenta em um artigo que às vezes jogadores de 2,00 metros de altura são mais dominantes e jogam “mais alto” do que os pivôs grandalhões. É o seu caso? Como é a sua batalha contra as maiores “muralhas”?
Pilar: É muito trabalhoso lidar com essa muralhas. Uso meu vigor físico pra isso, tento tomar a frente na defesa, empurra os pivôs pra fora do garrafão de qualquer maneira para ficarem inativos. Pois fora do garrafão posso levar vantagem pela minha velocidade.
Draft Brasil: Nesse início de Campeonato Paulista, São Bernardo vem sendo a maior surpresa, deixando para trás, por exemplo, os participantes do NBB. Qual é o segredo da boa campanha nesse início de competição?
Pilar: Acredito que nossa boa atuação vem de todo o contexto que vivemos. A instituição da Metodista trabalha de uma forma muito inteligente, nos trata muito bem, sempre estão dispostos a nos ouvir e ajudar. É um ambiente no qual nos faz sentir bem para trabalhar. Não é um ambiente autoritário e com políticas erradas como se vê em diverso lugares do Brasil. Haja visto minhas experiências pelo categoria profissional , já coleciono dois processos judiciais contra clubes e uma porção de dívidas e frustrações. Isso desanima. Sou muito a favor de um associação de atletas que cuidem dos direitos desses. E isso depende apenas da organização dos jogadores. Fazer acontecer. É muito fácil culpar o atleta pelo resultado que não veio, mas nós sabemos o que passamos nas mãos de muitos times sem compromisso conosco e de técnicos despreparados. E com relação a isso, não tenho queixas na Metodista, muito pelo contrario e não falo isso pra puxar o saco de ninguém, falo porque realmente acho. Outro fator importante para nossa boa atuação se deve exclusivamente à nossa equipe que durante esse curto tempo junta soube lidar com problemas internos normais de qualquer equipe recente. Soube ser forte e manter a garra resolvendo problemas de ego, e tantos coisas que aparecem quando se começa ir mal. Falo do Campeonato Milenium onde nos formamos enquanto time, vimos o que podíamos ser capaz. E, quando falo de time, digo desde a comissão técnica aos jogadores, aqueles que convivem no exaustivo cotidiano.
Draft Brasil: Diante desse início “avassalador”, já dá para os torcedores do São Bernardo sonharem com a disputa do título?
Pilar: Lógico que com esse começo muito bom os objetivos iniciais ficam pra trás e lançamos nosso olhares para um horizonte muito maior. Mas temos que ter calma, temos que pensar no dia após o outro, ter nossas metas mas não esquecer que o campeonato apenas começou, muitas águas vão rolar.
Draft Brasil: Em 2008, você atuou no Campeonato Nacional, pelo FTC/Bahia. Além de você, atual destaque do Paulista 2009, o time baiano contou com dois jogadores com atuações sólidas na última Copa América: Newsome (pivô do Uruguay) e Muñoz (armador do Panamá). Na sua opinião, por que aquele time não emplacou (5 vitórias e 16 derrotas)?
Pilar: Fui um processo ruim o que aconteceu lá. Tenho uma opinião quase que formada. Não gostaria de tornar isso público, pelo fato de ser apenas o meu ponto de vista e envolver muitas pessoas. Mas de uma coisa não tenho medo de falar, saí da Bahia muito frustrado e com um calote o qual não vejo perspectiva de solução. Se treina que nem um louco e depois não recebe, fica sem dinheiro pra nada, isso é a pior coisa do mundo, faz se sentir um lixo.
Draft Brasil: Por estar cursando uma faculdade, você pode ser considerado exceção entre os atletas do país. Além da óbvia garantia para o futuro, você acredita que a formação intelectual pode agregar algo à sua carreira como jogador de basquete?
Pilar: Com certeza, abre um outro mundo pra mim, um outro lugar para conviver. Ficar só no espaço do trabalho é muito maçante. Fora que exercita o pensamento e faz ver o mundo de outra forma, uma forma mais critica, mais independente. Isso é importante no jogo, você ter uma opinião sobre o que faz, saber refletir sobre uma situação que a principio parece insolúvel. Acredito que me torna uma pessoa e um jogador mais completo.
Draft Brasil: Tem sido difícil conciliar o basquete com os estudos?
Pilar: Não tem sido fácil, faço menos matérias, mas vou levando. Felizmente, tenho a mesma paixão que tenho no basquete pelos estudos.
Draft Brasil: E os planos para o futuro? As suas ótimas atuações obviamente geram visibilidade e devem resultar em propostas. Pensa em atuar por alguma equipe que disputará o NBB?
Pilar: Tudo pode acontecer. Agora, evito ficar pensando sobre isso, é muito cedo. Hoje estou na Metodista e no Paulista, vivendo intensamente isso. O desenrolar disso é fruto do que for acontecendo. Espero que continuemos nesse embalo…