Guiados pelas mãos de um campeão
Os idiotas da objetividade vão dizer que ontem, dia 10 de setembro de 2011 foi um dia normal, afinal o Brasil “sempre” foi às Olimpíadas, logo, pra que tanta comemoração? Alguns outros, ainda vão dizer que foram a não sei quantas Olimpíadas (embora o melhor resultado destes críticos tenha sido um quinto lugar) ou foram cestinhas das mesmas N vezes (embora ser cestinha, não faça qualquer diferença no resultado final de uma equipe). E além disso, um discurso rasteiro que não contextualiza o que é o basquetebol em si.
Claro, um ex-atleta nosso, excepcional dentro de quadra, porém nem tanto comentando, já chegou a dizer que a Geração Dourada argentina não é tudo isso, embora esta geração hermana, rivalize em qualidade e títulos, dentro da América do Sul apenas com a geração de Mestre Wlamir Marques e Amaury Passos. Os argentinos, com esta geração, são campeões olímpicos, vice Mundial e bronze olímpico. Nós, com nossa Geração de Ouro, somos bi-campeões Mundiais, vice Mundial e temos dois bronzes olímpicos, ou seja, mais um comentário rancoroso para não dizer estúpido. Se a Argentina não é um rival para ser respeitado, qual rival deveremos respeitar ?!
Comentário do mesmo quilate daqueles que não quiseram reconhecer a qualidade de Ruben Magnano (Vice-Mundial e CAMPEÃO OLÍMPÍCO) e supor que alguém aqui no Brasil teria o mesmo currículo, treinando uma equipe de basquetebol. (Togo Renan Soares sim, porém este não está mais entre nós). Deixo claro que nada tenho contra os técnicos nacionais, tivemos, temos e sempre teremos grandes nomes, porém neste momento, por diferentes motivos, não existia um nome.
Se formos lembrar, o dia da retomada se deu em 16 de janeiro de 2010, Ruben Magnano, técnico campeão olímpico assina com a CBB para ser o treinador da Seleção Brasileira. O contrato vai até o final do Torneio Pré Olímpico Mundial, em 2012, podendo ser estendido até os Jogos Olímpico do Rio de Janeiro, em 2016.
O choro foi livre após o anuncio da contratação do argentino. De um lado, parte dos técnicos brasileiros e alguns ídolos que achavam absurda a idéia de um argentino treinar o Brasil. De outro, boa parte da imprensa especializada, somado a alguns ídolos do passado (estes sim cheio de glórias, como o bicampeonato mundial), que achavam natural, afinal o cara é bom e o que interessa é o trabalho dentro de quadra, seja o treinador holandês, grego ou jamaicano. E currículo, sinceramente, nunca faltou.
As principais críticas em relação aos trabalhos anteriores dos técnicos brasileiros eram a péssima defesa, que simplesmente não existia, o excesso de chutes de três pontos que castiga qualquer idéia de jogo bem pensado e o ataque estático, sem nenhuma criatividade e movimentação sem a bola. Nada além do que vemos a cada rodada do campeonato nacional. Os chutes de três no Brasileiro conseguem ultrapassar a marca de 50, 55, 60 tiros em um jogo, ou seja, algo que por si só já demonstra o grau de inconsequência e falta de comando que assistimos por aqui.
O Brasil chegou ao Mundial de 2010, na Turquia, com a missão de apagar de vez os vexames do Mundial do Japão (2006) e do Pré Olímpico das Américas de Las Vegas (2007). Missão que seria simples, uma vez que nestes dois torneios fomos ridículos do começo ao fim. Outro ponto era manter viva a semente que Moncho Monsalve conseguiu plantar: defesa, jogo coletivo ofensivamente e ataques controlados. Magnano entendeu o que Monsalve fez e evoluiu. O Brasil pela primeira em vez em anos, manteve certa paciência nos ataques, tramou melhores arremessos, fez um jogo excepcional contra os EUA, ainda na fase de grupos e todos perceberam que algo havia mudado, mas não somente nos discursos pós jogo. Na prática, a equipe jogava um basquetebol melhor.
A esperança renascia para desespero daqueles que achavam surreal um argentino comandando nossa equipe. E bato novamente nisso pois, o que interessa é a qualidade do cara, de onde ele vem, não interessa se vem de Marte ou da Praça da Sé. Magnano após o Mundial se estabeleceu no Brasil, em uma cidade pacata do interior mineiro, São Sebastião do Paraíso, longe dos holofotes das capitais, como Rio ou São Paulo. Ruben viajou o Brasil inteiro, conheceu como é feito o nosso basquetebol, peregrinou pelos torneios de base, viu atletas jogando nos mais diferentes níveis, se envolveu.
Dois meses atrás, convocou o selecionado para a missão mais espinhosa e também para missão que foi contratado: levar o Brasil de volta aos Jogos Olímpicos e teria sua primeiro chance neste Pré Olímpico que se encerra hoje.
Como sempre, a CBB se atrapalhou mais do que se imaginava nas renuncias à convocação por parte de alguns atletas e o eterno pé atrás com o selecionado voltou, afinal, qual a credibilidade do basquetebol masculino? Nenhuma ? Pouquíssima?
Chegamos em Mar del Plata e fizemos uma primeira fase complicada, vitórias apertadas contra times que esperávamos vitórias tranquilas, derrota para República Dominicana e um jogo contra Cuba digno de dar pena. A tensão subiu ao final da semana passada, pois os adversários seriam melhores na segunda fase e a preocupação era evidente. Nesta semana, a postura contra os times mais fracos foi melhor e as vitórias convincentes contra Uruguai e Panamá foram apenas testes para o grande dia, enfrentar a Argentina no caldeirão de Mar del Plata.
O primeiro tempo contra a Argentina foi péssimo. Veio à cabeça aquele filme dos tempos de ataques idiotas em tempo recorde, da falta de movimentação nas ofensivas, da falta de defesa, enfim, aquele velha história de vários e vários anos de derrotas passava pela cabeça de todos. Provavelmente Magnano sabia que ali, no intervalo da partida, era o que decidiria nosso futuro na competição e por que não dizer, seu comando à frente desses atletas. Ou o Brasil voltava jogando basquetebol da forma que tem que ser jogado ou o Brasil morreria mais uma vez na praia atuando da forma equivocada dos últimos quinze anos.
O segundo tempo foi o oposto do primeiro. Defendemos, jogamos dentro do garrafão com um pivô que até uma semana atrás pouquíssimos teriam confiado, trocamos os estúpidos chutes de três desequilibrados por tentativas de dois em boa posição, não tínhamos mais o cestinha egocêntrico, porém qualquer atleta na quadra era um potencial definidor, o que dificultou as ações defensivas adversárias. Capturamos os rebotes defensivos que por anos escaparam dos dedos das mãos. Nunca foi uma questão apenas de vontade, de raça, de correr, de gritar, de tentar. A diferença dessa equipe para as outras era a qualidade dentro da quadra, o plano de jogo inteligente, a solidariedade nos ataques, o controle emocional para realizar o arremesso mais fácil, melhor colocado, com maiores chances de conversão. Se mudamos, foi na maneira de entender o que é uma partida de basquetebol e este crédito devemos ao argentino campeão olímpico, Ruben Magnano.
Após a vitória histórica contra a Argentina, vencemos Porto Rico por uma margem de pontos que há muito tempo não conseguíamos. Sim, Porto Rico, uma pedra no sapato desta geração, que sempre nos vencia quando o jogo valia por algum torneio de credibilidade, afinal, o Pan-Americano há tempos não tem nenhuma relevância para o mundo do basquetebol.
E os holofotes voltaram para a semi-final, da qual saímos vitoriosos ontem. No sufoco, com dificuldades, mas com muita qualidade ao aplicar o plano de jogo do começo ao fim. Continuamos com um certo exagero nos chutes de três pontos, porém desta vez conseguimos vários desmarcados, com equilíbrio e a bola caiu e tivemos muita dificuldade para conter os excepcionais Jack Martinez e Al Horford. Ainda assim, conseguimos manter a calma, ter paciência e jogar com a pequena vantagem que construímos a favor. No final, vencemos o jogo.
As mudanças que aconteceram no selecionado deverão ser lembradas, estudadas, revistas durante anos e anos. De um bando em quadra há 5 anos atrás, temos um time, uma cara, uma forma de jogar. No basquetebol atual, com pelo menos dez equipes jogando no alto nível, bater a cabeça na parede e teimar que o que fazíamos antes era o correto, chega a ser um insulto à inteligência alheia. Os resultados estão aí para responder qualquer crítica.
Obrigado Ruben Magnano e atletas que proporcionaram estas excelentes duas semanas, que resgataram o orgulho de assistir o selecionado masculino de basquetebol e que, com toda certeza, fizeram emocionar a todos nós, entre eles os maiores ídolos de todos os tempos do basquetebol brasileiro, Mestre Wlamir Marques e Amaury Passos.
Que o basquetebol nos Jogos Olímpicos chegue o mais rápido possível, pois para quem pouco se recorda de 92/96 ou para quem ainda não viu nosso time em uma quadra olímpica, o sonho está próximo de virar realidade.