O Flamengo de Gonzalo Garcia
Finalista nas duas primeiras edições do NBB, o Flamengo buscará retomar a hegemonia perdida no último nacional para Brasília de cara nova. A principal mudança está no banco, nas mãos do inteligente comandante argentino Gonzalo Garcia. Estive em Vitória, no último domingo, e acompanhei a vitória do rubro-negro carioca contra os donos da casa, que encerrou a incrível jornada flamenguista há tanto tempo longe de casa.
Em menos de 20 dias, o time esteve em Araraquara, Franca, jogou três partidas no México, passou por BH e chegou às vizinhas Vila Velha e Vitória. O Blog Sexto Homem estimou, via twitter, que foi algo perto de 19 mil km em 19 dias. Um exagero de nosso calendário.
Na capital capixaba, os donos da casa não conseguiram sequer equilibrar a partida. A não ser no quarto final, quando Teague saiu machucado e Guilherme Filipin e Joel Muñoz inspiraram uma retomada brilhante, não houve nenhuma ameaça ao ritmo flamenguista, dono da arquibancada e do ritmo de jogo. O resultado, que não foge à regra de anos anteriores, exibiu, porém, novidades importantes: trata-se do trabalho do argentino Gonzalo Garcia, que começa a aparecer.
Três pontos, ao meu ver, vão se mostrando basilares no novo estilo que tenta impor o técnico argentino no Flamengo: a busca constante pelo jogo interno, o controle do ímpeto ofensivo dos coadjuvantes do elenco e um protagonismo mais programado nas mãos de Marcelinho. Para chegar às conclusões e palpites que aqui se seguem, além de assistir à partida, falei com Baby, Marcelinho e Gonzalo, na saída da partida.
Gonzalo me garantiu: para ele, o basquete, filosoficamente, passa pelo fato de que o jogo deve passar para os pivôs. Não somente para os pivôs finalizarem os ataques por estarem mais próximos à cesta, mas, fundamentalmente, porque em seu sistema ideal, os pivôs participam do próprio processo de gestação dos espaços para a conclusão das jogadas. Nesse sentido, ele me disse, que usar Baby e Átila como referência, sempre apoiados por homens mais ágeis e com qualidade de jogo mais distante da cesta (Jefferson e Teichmann). A subida de produção de Baby tem muito a ver com a chegada de Gonzalo. O próprio pivô me garantiu se sentir mais à vontade com o novo sistema. O jeito de jogar anterior, em que os pivôs eram mais utilizados para disputa de rebote e corta-luzes para tiros distantes, transformou o ex-NBA em apenas um grandalhão dando cotoveladas por espaços na área pintada. Agora Baby passou a dominar garrafões. No domingo, nem os 2,13m de Alex e nem o corpanzil de De Jesus fizeram cócegas em Baby, que enfim volta a demonstrar que pode ser dominante como nos tempos de universitário nos EUA. Pode ser o começo de uma grande chave de vitória para o Flamengo nos playoffs.
As mudanças passam também pelo ímpeto ofensivo rubronegro e estão, necessariamente, ligadas ao item anterior. Pedir para que o time controle o ritmo com que se livre da bola e jogue internamente pede que haja uma melhor seleção de arremessos. É verdade que ainda há resquícios da era Chupeta – quem gosta de ver um jogador como Duda liderar um contra-ataque e ao chegar na quadra adversária com mais dois companheiros e apenas um marcador e, em vez de fazer valer a maioria numérica e conquistar uma bandeja fácil, perder a chance em um arremesso de três pontos mal executado? Mas a mudança é sim notória. Os jogadores que não têm no carro chefe a bola de três pontos, sobretudo nas posses de bola mais importantes do jogo, correm dentro de um sistema que ainda se desenha, mas se mostra ao menos pensado. Quando conseguir implementá-lo plenamente, poderemos saber se será o suficiente para um time atacar bem. Foi esse segundo ponto fundamental, ao meu ver, para a fácil vitória de domingo. Ainda no segundo período do jogo, quando o Vitória tentava voltar ao jogo com uma interessante defesa zona, Gonzalo pediu tempo rapidamente. Na volta, insistência no jogo interno e seleção extremamente controlada de chutes de fora. Não deu outra. Vantagem mantida.
Por fim, o argentino não é louco e certamente manterá o que o Flamengo teve de melhor nos últimos anos: a defesa (sim, sempre foi um dos pontos fortes do time de Chupeta) e Marcelinho, o melhor jogador de basquete do país. O ala segue em excelente fase, acertando os arremessos decisivos e com um repertório que ouso dizer o mais completo de toda sua carreira. Ainda que na parte final de sua vida como atleta, o camisa 4 flamenguista desenvolveu interessante jogo interno, finaliza com as duas mãos e segue como um excelente passador. Gonzalo sabe que precisa dele para que o Flamengo continue jogando em alto nível. O escape que seria Lamonte e virou Teague ainda é interessante, mas as jogadas seguem sendo desenhadas para Marcelinho. Aliás, agora mais até do que na época de Chupeta, quando reinava uma desorganização mais igualitária na divisão de protagonismo nas decisões na quadra ofensiva – o que nos permitia ver, não poucas vezes, Duda ou Jefferson com mais arremessos que todos os pivôs do elenco, por exemplo.
Se essa mudança que ainda está em andamento e se promete drástica cumprir todas as suas etapas, é provável que nos playoffs, os flamenguistas retomem a hegemonia e até o favoritismo perdidos. Por enquanto, é mais um dos bons times do campeonato que brigam com Brasília, Uberlândia e Pinheiros pelo título.
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Fotos e vídeo: Maísa Helena