O orgulho da Cidade Esmeralda
Por João Finkler Filho
Uma história.
A história do Sonics remonta ao momento em que a NBA evoluía de pequena liga esportiva (num mundo de ligas de basquete e de outros esportes que então existiam nos EUA) para a maior e mais importante liga de basquete do mundo. Vale dizer: o Sonics surge em 1966, momento em que a NBA começa a expandir de 9 para 14 equipes, na mesma era em que surgem Bulls, Rockets, Suns e Bucks – quatro equipes tradicionais da NBA moderna, três delas até hoje em suas cidades de fundação. Seu nome, escolhido pela população de Seattle, não poderia ser mais simbólico – referia-se ao ambicioso projeto da Boeing, que, nos anos 60, planejava elaborar e comercializar uma aeronave de passageiros capaz de voar em velocidade supersônica.
Como se sabe, a aeronave da Boeing nunca decolou, mas o Sonics não tardou a decolar nos corações do povo de Seattle. Era a primeira grande franquia profissional da cidade, a primeira franquia profissional do noroeste dos EUA, até então área muito nova e longínqua dos EUA. Assim, a cidade de Seattle adotou o Sonics com todo o carinho que a Cidade Esmeralda (apelido de Seattle) poderia devotar. Carinho que só fez aumentar nos anos 70, quando o Sonics formou equipes competitivas, até que, em 1979, a equipe de Dennis Johnson, Fred Brown, Jack Sikma (entre outros grandes jogadores), etc. deu a Seattle seu primeiro e único título esportivo profissional na história – um título da NBA, que com orgulho tremulou no topo do Kingdome, e, depois, no topo da KeyArena. O Sonics estava no topo.
Uma queda.
Ironicamente, o começo do fim dos Sonics veio numa das melhores épocas da franquia, no início dos anos 90. Com Gary Payton, Shawn Kemp, Nate McMillan, entre outros grandes talentos, o Sonics surgia como força potencialmente capaz de trazer mais um título da NBA para Seattle. Ao mesmo tempo, o dono do Sonics, Barry Ackerley, auxiliado por um inexperiente General Manager, chamado Wally Walker, buscavam reforçar aquele esquadrão e, ao mesmo tempo, tentavam encontrar uma nova arena para o Sonics, que condissesse com os anos 90 – o Kingdome, local onde o Sonics jogava, mostrava-se ultrapassado, sendo uma nova arena uma imperiosa necessidade da cidade.
Ocorre que a solução dos dois problemas não foi, provavelmente, a mais desejável: para reforçar a equipe, pagou-se uma fortuna pelo medíocre pivô Jim McIlvane, o que engessou a folha salarial do Sonics quando a equipe mais precisava de força para brigar com os poderosíssimos Rockets, Jazz, Suns, Lakers, Spurs, etc. Por outro lado, para resolver o problema da arena, o Sonics decidiu jogar na recém-construída arena da Prefeitura da cidade, a KeyArena, uma arena relativamente pequena localizada no centro da cidade, mas com instalações modernas para seu tempo. Pelo contrato, o Sonics jogaria ali por 7 anos (até 2002), pagando aluguel à Prefeitura pelo uso da arena.
Depois de bater na trave algumas vezes (sem chegar ao título), a equipe do Sonics entrou em decadência – Kemp pediu pra ser trocado, Vin Baker teve problemas com álcool, e por aí vai. Natural, equipes passam por altos e baixos.
O problema maior surgia com a situação financeira da equipe. Os negócios equivocados de Ackerley e Walker custaram caro ao Sonics. O aluguel da KeyArena era pesado. Ackerley não era dos homens mais ricos da NBA. O Sonics precisaria de um salvador.
E o salvador pareceu ter chegado logo depois, na figura de Howard Schultz. Talvez o nome de Schultz não seja de conhecimento geral, mas a marca Starbucks certamente é. Schultz, cabe destacar, é o homem que transformou uma pequena rede de cafeterias de Seattle em uma potência americana global. Logo, não é difícil imaginar que Schultz era (e é) um homem muito rico, além de ser umbilicalmente ligado a Seattle, afinal de contas sua empresa nasceu, cresceu e tinha sede na Cidade Esmeralda. Schultz comprou a equipe em 2002, imediatamente renovando a locação da KeyArena até 2010, e prometeu uma equipe campeã no prazo de 5 anos.
Ocorre que as coisas não saíram como nos planos dos leais fãs do Sonics. Schultz brigou com Gary Payton, o que levou a sua troca pouco tempo depois. Promoveu Wally Walker a Presidente do Sonics, para ira dos fãs. Pagou alto para ter jogadores fraquíssimos como Calvin Booth e Jerome James. E o Sonics empacou como equipe mediana.
Mas isto não era o pior: a renovação da KeyArena, que parecia algo bom, revelava-se um desastre. A arena, embora moderna, pecava pela falta de suítes de luxo rentáveis. Precisava de mais assentos. O contrato de aluguel não se pagava.
Aí você pode pensar: Schultz, sendo o bilionário que é, poderia aceitar as perdas até 2010. Poderia bancar renovações na KeyArena. Poderia até construir outra arena. Mas não. Schultz queria que a cidade de Seattle fizesse uma bela arena para ele, novíssima e moderníssima, com dinheiro totalmente público. O fim se aproximava.
Uma tragédia.
Quando Schultz pediu à Prefeitura uma nova arena, alegando a total inadequação da KeyArena para a NBA contemporânea, a Prefeitura de Seattle logo lembrou-lhe que o Seattle Seahawks (time da NFL de Seattle) e o Seattle Mariners (time da MLB de Seattle) tinham acabado de ganhar novos estádios, financiados com o aumento de impostos da população da cidade. As medidas passaram com um pouco de controvérsia, e querer que os cidadãos de Seattle aceitassem mais uma majoração de impostos quando ainda pagavam majorações anteriores em função de esportes seria impraticável.
Schultz não gostou. Disse que estava perdendo dinheiro demais com o Sonics. Ameaçou que relocaria o Sonics em 2010, quando o aluguel da arena expirasse, e, junto com ele, a multa rescisória. Ameaçou vender o Sonics para um louco qualquer. Ameaçou e cumpriu.
Em 2006, depois de uma temporada ruim do Sonics, Schultz agendou uma inesperada conferência de imprensa, em que introduziu ao mundo Clay Bennett, um obscuro empresário do ramo imobiliário de Oklahoma City. Anunciou que acabara de vender o Sonics para esse senhor.
O mundo dos fãs do Sonics caiu. Bennett, embora obscuro, já era conhecido da NBA: foi ele o responsável por levar o Hornets pra Oklahoma City, enquanto a cidade de New Orleans se reconstruía após o Furacão Katrina. Tentou comprar o Hornets e manter a franquia em Oklahoma City. Não conseguiu.
Embora tenha feito juras de amor a Seattle, embora prometesse que iria procurar uma alternativa viável para a KeyArena, todos em Seattle sabia que o Sonics estava com as favas contadas. A temporada 2006-07 transcorreu como uma lenta agonia para os fãs, cujo único alento era saber que um contrato praticamente prendia o Sonics em Seattle até 2010. Enquanto Kevin Durant brilhava em sua temporada de rookie, os fãs só podiam esperar que não fosse o fim.
Bennett e sua equipe rapidamente foram das promessas aos fãs às ameaças aos políticos. Se não tivessem uma arena novinha pra ontem em suas mãos, iriam pra Oklahoma City. Logo ganharam autorização da NBA para uma eventual relocação. David Stern, o impedoso gerente da NBA, atacava a cidade de Seattle e seus cidadãos diariamente. Começaram até a preparar reformas na pequena arena de Oklahoma City, que precisava se aprumar para a NBA.
A Prefeitura de Seattle não gostou, e foi à Justiça para garantir que o contrato de locação seria cumprido. Howard Schultz, fustigado pela opinião pública em Seattle, foi à Justiça alegando que Bennett violou deveres preestabelecidos no contrato de compra e venda, que previa que Bennett deveria buscar uma alternativa à KeyArena de boa-fé. Produziram-se provas contundentes de que o grupo de Oklahoma em momento algum quis manter a franquia em Seattle. Os fãs do Sonics ficaram enojados.
Era o fim. Já não havia mais clima para manter o Sonics em Seattle. Schultz não queria seguir em frente com seu processo, gastando com advogados e etc. Já a Prefeitura preferia gastar dinheiro com educação, saúde e segurança pública, ao invés de perder tempo com basquete. Logo, se Bennett depositasse a multa rescisória na conta da Prefeitura, ninguém se importaria muito, pelo menos na administração da cidade.
Foi o que aconteceu. Bennett pagou e o Seattle Supersonics acabou.
Um recomeço?
Desde 2008, a ideia de levar a NBA de volta a Seattle é obviamente recorrente. O Sonics era a franquia esportiva mais antiga e amada de Seattle. Era parte da cultura da cidade, e um ícone do noroeste dos EUA. Mas David Stern não parecia muito animado, ao negar a hipótese de expansão da NBA, e ao afirmar que eram poucas as novas hipóteses de relocação.
Pelo acordo que sacramentou a saída do Sonics de Seattle, o nome Sonics ficaria aposentado, reservado a uma nova franquia de Seattle. A história – títulos, feitos, etc. do Sonics ficariam com o recém-fundado Oklahoma City Thunder até que um novo Seattle Sonics surgisse. Seria questão de tempo e de sorte.
Depois de alguns alarmes falsos, começaram a surgir rumores quentes de que Seattle estava mais perto da NBA do que parecia. A pista apontava para um investidor de posses da Califórnia, chamado Chris Hansen, que crescera em Seattle e desde então era fã dos Sonics. Hansen comprara terrenos muito perto dos estádios do Mariners e do Seahawks, e, ao que indicava, estava negociando com a Prefeitura de Seattle a construção de uma nova arena poliesportiva no local.
Logo depois a negociação foi confirmada. A proposta de Hansen era ousada: ao invés da arena ser paga diretamente pela Prefeitura, a Prefeitura concederia um empréstimo único de cerca de 200 milhões de dólares a Hansen, que construiria a arena. Após a construção da arena, que seria da propriedade de Hansen e de seu grupo, uma porcentagem dos lucros seria revertida à prefeitura, até que o empréstimo se pagasse, com as devidas correções. Com a nova arena, a NBA voltaria a Seattle, e a NHL desembarcaria pela primeira vez na Cidade Esmeralda.
Críticos não faltaram. Alegaram que o negócio não oferecia garantias suficientes para a Prefeitura. Alegaram que nada garantia que NBA e NHL viessem. Alegaram que o trânsito na região ficaria caótico.
Os fãs do bom e velho Sonics reagiram. Pressionaram vereadores. Apelaram ao coração. Apontaram a necessidade de uma nova arena para sediar shows e grandes eventos em Seattle. Ganharam. Os vereadores aprovaram o projeto, com pequenas mudanças, e assim que Hansen e seu grupo (que é composto por gente poderosa, como Steve Ballmer, bilionário ultrapoderoso da Microsoft e residente de Seattle) comprarem uma franquia da NBA e/ou da NHL, o dinheiro será liberado para construção da arena. Enquanto isso, a equipe jogará na KeyArena, que, após, será também reformada por Hansen, como mostra de gratidão à cidade.
Falta agora apenas um detalhe – a equipe. Ao que tudo indica, Hansen e seu grupo estão em negociações avançadas para comprar uma equipe da NHL, possivelmente o tradicionalíssimo Edmonton Oilers (equipe que transformou Wayne Gretzky no maior esportista canadense da história). Na NBA, o candidato mais forte a ser relocado é o Sacramento Kings, que passa por sérias dificuldades em sua cidade. Acredita-se que será questão de tempo.
Para os apaixonados fãs do Sonics, nada disso importa. Seattle nunca abandonou sua equipe. Está só esperando ela acordar de seu sono. E agora, ao que parece, não falta muito.