Organização e seus frutos: Biguá é campeão sul-americano

Escrito por
Publicado em: 5/11/2008

O clube uruguayo Biguá de Villa Biarritz venceu de forma invicta o torneio sul-americano de clubes campeões disputado em Guayaquil, Equador, entre os dias 28 de Outubro e 1º de Novembro. O Draft Brasil faz agora uma análise do importante torneio continental e vai além, discutindo os motivos que levaram os uruguayos ao topo do cenário sul-americano, enquanto as equipes brasileiras mais uma vez falharam na conquista de um título internacional.

Primeiramente vamos analisar o torneio em si. Disputado no ginásio Coliseo Voltaire Paladines Polo, em Guayaquil, o torneio contou com seis equipes: Biguá (Uruguay), Libertad Sunchales (Argentina), Joinville (Brasil), Minas Tênis Clube (Brasil), Liceo Mixto (Chile) e Barcelona Sporting Club (Equador).

O torneio contou individualmente com bons nomes do continente: Martin Osimani, Leandro Garcia Morales, Kevin Young, Duke Freeman-McKamey (Biguá); Sebastian Ginóbili, Jason Osborne, Bryant Markson (Libertad Sunchales); Jefferson Sobral, Shilton, Manteiguinha, Espiga, Olívia (Joinville); Murilo, Joseph Shipp (Minas Tênis); Patricio Briones, Christopher Garnett (Liceo Mixto); Mark Strickland (Barcelona).

O Biguá venceu suas cinco partidas (84×77 vs Minas Tênis; 96×54 vs Barcelona; 90×89 vs Libertad Sunchales; 81×79 vs Joinville; 71×65 vs Liceo Mixto) e se tornou campeão com uma rodada de antecedência. Para isso, uma vitória construída no último quarto contra o Minas e duas prorrogações vencidas contra o Joinville e o Libertad Sunchales. As vitórias mostraram que os uruguayos tiveram excelente controle mental e um sistema ofensivo funcionando mesmo nas horas decisivas dos jogos. Leandro Garcia Morales ainda fez chover no jogo contra os argentinos terminando com 44 pontos. Foi o segundo título sul-americano do Biguá (o anterior conquistado em 1992).

Para fins de informação, o mesmo Garcia Morales foi eleito o MVP do torneio e também acabou como cestinha da competição (94 pontos, média de 23.5 por jogo). O armador uruguayo já havia se destacado esse ano no sul-americano de seleções onde teve médias de 17 pontos por partida. Vale ressaltar também que Freeman-McKantey é o mesmo com passagem pela NBDL e que os uruguayos ainda tiveram o desfalque de Mauricio Aguiar (ex Livorno-ITA e membro há anos da seleção uruguaya) que está lesionado.

Mas e então, qual o segredo do pequeno clube uruguayo?

Creio que tudo começa pela liga doméstica. O vizinho brasileiro possui uma liga forte e bem estruturada (LUB – Liga Uruguaya de Basquete). A LUB foi criada em 2003 por uma espécie de conselho de clubes com o intuito de unificar o basquete uruguayo (antes havia o torneio federal disputado por times da capital Montevidéu e o torneio do interior para as demais equipes). Além da unificação, a LUB busca difundir o basquete entre a população uruguaya (principalmente entre os jovens).

A primeira divisão (LUB propriamente dita) conta com 14 equipes que na primeira fase se enfrentam em turno e returno. As 10 melhores classificadas nessa fase avançam para a segunda fase enquanto as duas piores caem para a segunda divisão (se os dois últimos colocados forem do interior, apenas a pior cai e o pior time de Montevidéu é rebaixado para manter a paridade da liga). A segunda fase é disputada entre os 10 times em turno e returno sendo que as 8 melhores vão para os playoffs (1º vs 8º; 2º vs 7º; 3º vs 6º; 4º vs 5º). Os playoffs começam em uma série de 3 jogos (quartas-de-final) e depois passam a ser disputados em séries de 5 jogos (semifinal e final).

Vale ressaltar que os jogadores das quatro equipes que não disputam a segunda fase são selecionados no chamado “draft” evitando assim que fiquem parados em 1/3 da temporada. O sistema é simples, os jogadores se inscrevem e os 10 times que vão disputar a segunda fase selecionam os jogadores em ordem.

Incrivelmente não há uma divisão inferior e sim duas (Torneio Metropolitano – 2ª divisão e Tercera de Ascenso – 3ª divisão). Em ambas o sistema é igual: os times jogam entre si em turno e returno e o primeiro colocado garante o acesso automaticamente. Do segundo ao quinto colocado é disputado um playoff (2º vs 5º; 3º vs 4º) e o campeão garante a segunda vaga à divisão superior.

Por fim, a LUB incentiva o basquete de base com a LUB sub-23. Essa competição é na verdade um torneio preliminar. Basicamente, os 14 times que disputam a LUB possuem equipes sub-23 que fazem a preliminar da equipe principal em todos os seus jogos, disputando assim um torneio próprio. Se o Biguá enfrenta o Defensor Sporting, a preliminar é Biguá sub-23 vs Defensor Sporting sub-23. Os resultados não precisam nem ser comentados, afinal, é óbvio que a iniciativa eleva o nível do basquete uruguayo, movimenta a garotada e revela novos talentos além de dar experiência aos jovens atletas.

Vale ressaltar que o Uruguay tem uma área de 176.215 km² e uma população total de 3.415.920 enquanto apenas o estado do Rio Grande do Sul tem uma área 282.062 km² e a região metropolitana de Porto Alegre uma população de 4 milhões de pessoas. Mesmo em um espaço tão pequeno os resultados já começam a surgir. Em nível clubístico, os uruguayos vem se destacando em competições sul-americanas e o título do Biguá vem para comprovar isso. No nível selecionável, a equipe vem de um vice-campeonato sul-americano, uma medalha de bronze nos jogos Pan-Americanos de 2007 e uma boa participação no Pré-Olímpico de Las Vegas.

Com uma liga forte e movimentada (3 divisões) o público sempre aparece e por consequência os patrocinadores. É essa mistura que vem gerando os bons resultados. A todo o momento surgem novos jogadores, sejam eles na primeira, segunda, terceira divisão ou até mesmo nos torneios sub-23. Com tantos torneios, os jogadores de base não acabam parando em massa após os 16 anos como acontece no Brasil, mas vão para o nível profissional ou semi-profissional. O dinheiro dos patrocinadores é sempre investido na contratação de jogadores de nível internacional (a primeira divisão é recheada de americanos ou jogadores com passagem por universidades americanas). Com isso, o público não tem do que reclamar. Basquete de bom nível e torneios bem organizados são uma receita de sucesso. O efeito é simples. Com o fortalecimento da primeira divisão da LUB, o basquete uruguayo está chegando cada vez mais longe no cenário internacional.

E o Brasil? Estamos no mínimo 20 anos-luz da organização uruguaya. O pequeno país vizinho consegue ter uma primeira divisão totalmente profissional, uma segunda divisão semi-profissional e ainda uma terceira divisão amadora (formada por veteranos e garotos). Vale lembrar que no Brasil, fora do eixo Rio-São Paulo, há inúmeras equipes totalmente amadoras disputando finais de campeonatos estaduais.

O resultado? Mesmo com duas equipes das seis do sul-americano sendo brasileiras, mesmo com quase 50x mais população que nosso vizinho, não conseguimos vencer. A solução está na cara, está do lado de lá do Rio da Prata. Argentina e Uruguay nos mostram o caminho há alguns anos e nós insistimos em não trilhá-lo. Até quando acharemos que jogadores como Luis Scola, Andrés Nocioni, Emanuel Ginóbili, Esteban Batista e Nicolas Mazzarino caem do céu? Até quando acreditaremos que nosso trabalho de base é bem feito? Até quando consideraremos os nossos campeonatos (nacionais e estaduais) como campeonatos sérios? É preciso mudar a gestão e a forma de ver basquete no Brasil. Temos tamanho, material humano e história. Falta um pouco de humildade e vontade de começar do zero e remodelar o cenário nacional. Quem sabe, um dia, voltaremos a vencer um torneio importante de clubes em nosso cenário ou assistiremos a nossa seleção em glória.

OBS1: O Biguá mostrando que o efeito organização e patrocínio dá resultado, acaba de contratar o campeão olímpico Ruben Wolkowyski (Argentina, 2,08, 1973). Wolkowyski vem para substituir o ex-jogador da NBDL Duke Freeman. A receita é simples. A organização da liga trouxe o dinheiro, o dinheiro traz estrangeiros de nível (Freeman) e uma reposição para as saídas ao exterior de qualidade (Wolkowyski).

OBS2: Não pode passar em branco o nome do jogador número #42 do Barcelona Sporting Club que disputou o torneio sul-americano. Engels Marx Tenorio Ayovi de 42 anos. Além do nome dos comunistas históricos, Engels Marx teve uma atuação discreta no torneio (33 minutos 5 jogos que resultaram em 9 pontos e uma média de 1.8 por jogo).

Raoni Moretto
raokiller@hotmail.com

Fatal error: Uncaught Exception: 190: Error validating application. Application has been deleted. (190) thrown in /var/www/draftbrasil.net/blog/wp-content/plugins/seo-facebook-comments/facebook/base_facebook.php on line 1273