Os vice, campeões
Foram 3 pontos, no final das contas. O Brasil perdeu o título da Copa América de Basquete, disputada no Texas, em San Antonio, para os donos da casa, por 81-78, em grande atuação individual do futuro craque de NBA Kyrie Irving. Além dele, o filho de Doc Rivers, Austin, alegrou o pai na platéia, com lindas bolas de três e um título importante.
Dito isso, os heróis estão do outro lado. Em nosso basquete dos últimos tempos, diferente de uma cultura futebolística extremamente vencedora, aceitar boas derrotas é digno de comemoração. A derrota por 10, por 20, ou até por 5 pontos, já nos encheria de orgulho da façanha desses meninos em terras texanas.
Acontece que não é bem esse orgulho que queremos aqui ressaltar. Não é o orgulho dos vencidos, daqueles que sabiam que os meninos, ainda que fazendo tudo que pudessem, sucumbiriam perante ao arsenal estadunidense, poderoso de todas as maneiras que são possíveis para manter a hegemonia neste tão disputado esporte.
É com um orgulho raivoso, que lhes contamos, amigos leitores que não puderam assistir o que fizeram os garotos brasileiros nesta noite: perdemos roubado! Daquele roubo mais clássico que se tem notícia: em favor do mais forte e dono da casa. Pois não temos medo de lhes dizer, que se sobraram músculos aos futuros milionários estadunidenses, faltou o coração de Gabriel Aguirre, que só poderia ser aguerrido com um nome desses. Se sobraram cenas nas enterradas e subseqüentes caras de mau, faltou o cérebro de Felipe Vezaro que surge como uma das promessas mais interessantes de nosso basquete, pela compreensão do jogo e coragem como atua.
Pois sabemos que Irving parece ser da estirpe de Derrick Rose, John Wall, essa coisa toda. Okay, e assim será feliz e evoluirá dia a dia sendo comandado pelo genial Coach K em Duke, mas jamais poderá esquecer que hoje, em quadra, quem ditou o ritmo do confronto e fez com que o Brasil dominasse as ações dos dois lados da quadra foi Raulzinho, discípulo de Sucatzky, promessa que a cada dia se mostra mais pronta pro alto nível do basquete internacional.
Temos todo carinho aliás, pela cara bonachona do Doc Rivers. Achamos bem difícil que um sujeito como ele, genial e brilhante, e tão parecido com nosso companheiro de boteco, possa ter criado um filho que seja arrogante ou dispersa roda, coisa do tipo. Mas cá entre nós, Austin Rivers, Taddei, ainda que suas bolas tenham teimado em não cair, e Ícaro, o nosso projeto de Pepe Sanchez, são muito mais agradáveis de se admirar.
Nós também adoramos o Arthur, o Dida, o Durval (duas bolas espíritas, Durval, meu Deus!), o Davi! Hoje eles tiveram vida dura, mas ao longo da toda competição, de um jeito ou de outro, deram uma força para que o resultado fosse lindo, mas, mais que isso, para que nos encantássemos com essa trajetória.
E não há muito o que falar sobre Bebê. Aos que gostam apenas de acompanhar números, vão pegar as estatísticas do pivô carioca e se impressionar. Acreditem: ele é muito mais do que isso. Lucas só não estará na NBA se não quiser. Se treinar e acrescentar movimentos de costa pra cesta já para o Mundial, poderá se tornar, no ano que vem, o melhor pivô do mundo com menos de 20 anos.
Pois eles que fiquem com o troféu, com a arbitragem, com o irritante locutor oficial que chama os EUA por “nós” e berrava loucamente a cada cesta dos donos da casa. Nós ficamos com Roese e sua pose meio serena meio desesperada. Que conseguiu fazer com que os fãs de basquete brasileiro se juntassem em um site poluído visualmente, com um locutor galvanizado, com uma telinha pequenina, e torcessem por esses especiais jovens.
Claro que gerações recentes tiveram resultados importantes e até empolgantes (aquela inusitada semifinal de Mundial sub 19 da turma de Paulão e Betinho, do ponto de vista pragmático, foi muito superior à campanha da Copa América que terminou ontem, por exemplo), mas poucas vezes vi um time orgulhar tanto os sofridos torcedores de basquete como os meninos de Roese.
Boa parte volta agora para o Brasil, outros devem parar em alguns lugares do mundo. Não faz sentido que os clubes brasileiros não prestem atenção e dêem mais espaço pra eles em seu time principal. Os Felipes, Vezaro e Taddei, podem jogar em times adultos já no NBB 3. Os gaúchos Ícaro e Arthur merecem muito carinho e se bem trabalhados, a expectativa é que cresçam cada vez mais. Entregues em boas mãos, Bebê e Aguirre vão crescer na Europa. Raulzinho já é uma realidade para jogar entre os adultos e deveria ser aposta de qualquer equipe que precise de um armador principal (o desmanche do Minas sugere que o jovem também debande). Dida, Durval, Davi, precisam de cancha e podem evoluir e chegar ao Mundial sub 19 em alto nível. O cenário é muito promissor.
Ontem, celebramos o direito de sonhar. Agora, devemos usufruir deste direito adquirido. Parabéns aos vice-campeões das Américas.