Pelo direito de sonhar

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Publicado em: 29/06/2010

Enquanto o relógio corria de forma decrescente e os argentinos desesperados buscavam uma saída para Lucas “Bebê” Nogueira voltamos a sonhar. Voltamos a sonhar com uma geração que nos tire da posição mediana no cenário do basquete mundial e nos devolva o posto de protagonistas. Merecemos estar nesse escalão, temos história e camiseta pra isso. A geração de Nenê, Leandrinho, Varejão e Splitter está longe da aposentadoria, entretanto, enquanto o relógio corria para o final na partida de hoje contra a forte seleção argentina, vimos muito mais que Bebê e um futuro talento à nível de NBA. Vimos um time com valores que podem muito bem brilhar em um futuro próximo. É sobre esses talentos que falaremos agora, sobre esses garotos que pela primeira vez na história colocam o Brasil na final de um torneio sub18 a nível americano.

A explosão do banco brasileiro ficou na minha cabeça. Por que é que esses – ainda – garotos gritaram e vibraram tanto? Alcançamos a final do torneio pela primeira vez. Derrotamos a Argentina, rival histórica. Não só rival, já que a Argentina se transformou num verdadeiro fantasma – e exemplo – para nós. Ao nosso lado víamos um país com pouca tradição surgir como gigante no basquetebol. É difícil lembrar, e provavelmente dê para contar nos dedos quantas vezes derrotamos uma seleção argentina nos últimos dez anos. Pode ser um desses momentos que será lembrado como uma das bases fundadoras do que nós queremos e defendemos na seleção brasileira de basquetebol: Um basquete responsável, coletivo, competitivo, glorioso.

Somos órfãos de basquete pós-Oscar. Mas nossa esperança está voltando aos poucos. Essa vitória é mais um sintoma do que nós esperamos a tanto tempo. O mais importante: longe da festa, a camêra acompanhou um gigante de 2 metros e 13 centímetros, que sorria, satisfeito, com as mãos apoiadas nos dois joelhos. Esse comportamento, esse olhar, essa postura de Lucas “Bebê” Nogueira, a beira da festa brasileira, essa é o nosso principal aprendizado dessa partida. Extraordinário.

É com esse gigante que começaremos a falar dos nossos jovens atletas.

Pense em algo grande, bem grande. Não, não estou me referindo aos 2,10 metros de Lucas “Bebê” Nogueira. A impressionante altura do jogador está longe de ser a principal virtude do jovem pivô que vem dominando os garrafões da Copa América Sub18. É complicado deixar-se entusiasmar por campeonatos de base. Afinal, tratam-se de garotos em fase de desenvolvimento técnico e físico. Contudo, não é preciso ser um grande olheiro da NBA para perceber que tipo de potencial envolve Lucas. Além da estatura, o garoto tem uma envergadura de dar inveja no Nenê e parece ter tomado banho no caldeirão do mesmo energético consumido por Anderson Varejão. Sua presença no garrafão defensivo claramente é um pesadelo para os adversários, o que ajuda a justificar as excelentes atuações defensivas da seleção brasileira. No outro lado da quadra, além do cartel de enterradas atléticas, Lucas causa muitos problemas para as defesas, pois é um bom cobrador de lance-livres. Considerando o que se pode exigir de um garoto dessa idade, não tão graves os defeitos perceptíveis, tais como a limitação no jogo de pivô e um certo excesso de ansiedade que pode acarretar em faltas bobas. O ponto-chave da evolução de Lucas será a forma com que o seu físico será trabalho, já que ele claramente não tem condições de enfrentar profissionais sem correr um enorme risco de lesões, em virtude do seu baixo peso atual.

Em suma, Lucas é uma jóia a ser lapidada. Uma jóia como há muito tempo o Brasil não via em suas divisões de base. É uma boa razão para ficarmos muito esperançosos com o nosso basquete nas Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro.

Além de Lucas, outros jogadores foram mostrando seu valor durante o embate épico contra os argentinos. Raulzinho talvez seja o outro grande líder dessa seleção. Mas quem é Raulzinho? Qual é seu real talento? Até onde pode chegar?

Apesar de estar longe de seus melhores dias, apareceu quando o time precisou e no final do jogo, foi extremamente seguro. Forte na defesa, abusou de errar no ataque. O seu excepcional controle de bola garante uma transição veloz e segura. Ainda precisa amadurecer na tomada de decisões no jogo cinco contra cinco, mas por hoje, merece os parabéns por ter sido o líder em quadra de uma grande vitória.

Se Raulzinho não esteve brilhante, teve em Ícaro o seu principal escape. Irmão de Audrei, que treina com Magnano em SP, o armador gaúcho apareceu no terceiro período e dominou todas as ações ofensivas brasileiras. Não se deixem levar pelos números, Ícaro foi provavelmente o principal fator da vitória (excetuando, claro, o monstro Lucas Bebê) histórica brasileira. Chutes precisos, leitura de jogo impecável e assistências empolgantes mostram um Ícaro em dia inspirado.

E Felipe Taddei? Quem é esse bom escolta que colaborou tanto nos momentos delicados do duelo?

Com pedigree, o francano Taddei é uma espécie de escape do ataque brasileiro. Inteligente e com bom chute de média distância, o ala tem a responsabilidade de desafogar a dupla badalada Raulzinho e Bebê. E hoje o fez com categoria e precisão. Foi um dos jogadores mais importantes no primeiro tempo, quando o time se mostrava perdido. No segundo tempo, cresceu com toda a equipe e fez valer seu talento contra a boa defesa argentina.

Cabe ressaltar que um time completo não tem peças só no perímetro ou apenas um grande jogador no garrafão. Além de Bebê, Arthur surgiu como um novo nome para a posição no basquete brasileiro. Quando o olhamos solto em quadra, pensamos: “quem é o nosso Ostertag?”. Subiu a bola, e Artur foi mostrando seu valor. Pivozão trombador, mas com uma técnica interessante e possibilidade de crescer, o gaúcho reboteou e ajudou o garrafão brasileiro a se garantir quando Lucas Bebê estava fora. Esperamos quem sabe, em próximas oportunidades, uma dupla gigantesca com Lucas Bebê.

Além dos citados acima, outros jogadores entraram em quadra e desempenharam seu papel da melhor maneira possível. Porém, não podemos deixar de citar o maestro dessa equipe. Walter Roese. O coach Roese é um profissional do esporte. Atento, ousado, tem a cara de pau de deixar Lucas Bebê no banco no começo do jogo. Não poderia dar mais certo. O efeito moral que desperta a entrada de Bebê na equipe adversária é digno de pena. Os hermanos ficaram perdidos e viram sua pequena vantagem construída com muita luta cair ponto a ponto. No final, restou enterrada pra cabeça de todos, um show em quadra, e fora dela. Mais do que um time que chuta pouco de 3, que passa bem a bola e que defende como há muito tempo não se via em nossas categorias de base, Roese dá aos meninos a possibilidade de acreditar que basquete é mais do que aquela meia dúzia de esquemas que nos acostumamos a ver por aqui. Walter é com certeza um dos nomes desse grande momento.

O dia de hoje entrou pra história. Marca o começo de uma nova etapa no basquete brasileiro. Marca o começo de um novo sonho. É esse sonho de voltar ao topo que nos deixa ansiosos. A empolgação foi tanta que no twitter, nós do @draftbrasil dialogamos com Luis Scola, sobre a partida, dizendo que Bebê, por muito tempo dará trabalho às gerações argentinas. O ala-pivô, ágil como seus movimentos embaixo da cesta, avisou: “Quando ele se tornar um jogador profissional, eu serei um ex-jogador”! A declaração pegou mal entre os companheiros Manu e Oberto, que passaram a iniciar um movimento para Scola jogue as Olimpíadas no Rio, em 2016: Oberto ainda brincou; “Não sei do que vocês estão falando, mas se vocês dois jogarem (Manu e Scola no Rio), eu jogo também, hheheeh!”

É essa empolgação que marca o começo da jornada. Uma jornada que ainda será longa e dura. Os caminhos a serem trilhados são muitos. Talvez tenhamos quedas no percurso, talvez outras vitórias épicas. Entretanto, é necessário ter a consciência de que o trabalho está sendo bem feito. Saber o porquê dos resultados positivos para mantermos a evolução dos garotos citados no texto e dos não citados, para quem sabe, num futuro próximo, terminar a jornada com chave (medalha) de ouro.

Pauta: Raoni Moretto

Texto: Raoni Moretto, Guilherme Tadeu, Alfredo Lauria e Marlon Krüger

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