Pra jogar basquete, LeBron vai a Miami
LeBron poderia escolher a lealdade. Escolha óbvia, uma vez que em Ohio nasceu, cresceu e se inventou para o basquete. Não exatamente fruto de nenhum grande experimento da formação na base estadunidense e sem ajuda de qualquer treinador formador em uma universidade antes de se tornar profissional. Sua auto-proclamação de Rei se sustentou à medida que tanto a nobreza quanto os súditos o entendiam como tal. King James desde sempre, ou desde que sabemos de sua existência. Por isso, não devemos dar crédito à carta doentia do dono do Cleveland, Dan Gilbert, que movido pelo sentimento de rancor posterior à decisão do craque, soltou cobras e lagartos no site oficial, contestando tudo o que é e foi LeBron James. Ainda que faça sentido, dada a dor de corno do momento, Gilbert esqueceu de dizer o quanto o menino de Akron lhe rendeu, em holofotes e rendimentos e, mais que isso, omitiu que sob sua égide não fez nada além de glorificar o reinado por ele agora ridicularizado. Faz parte da dor de cotovelo. A classe não é dádiva para todos.
Como bem nos ensinou este menino que com certo exagero foi tantas vezes comparado aos maiores e na mesma medida, jogado à sarjeta nos momentos mais difíceis. Classe nunca foi a principal característica desse poderoso jogador. Não sei se é exatamente um problema, e se for, não sei se é unicamente sua responsabilidade. Tendo ou não se auto-proclamado rei, o problema é que quando acreditaram, lhe fizeram também se convencer. E reis não têm limites, é do exercício do reinado. O circo que LeBron montou, que Balassiano com felicidade recuperou o camarada Guy Debord, é nada além do exercício do que sempre foi James na NBA: títulos individuais tido como incontestáveis, liberdade para fazer o que bem entender em quadra – e provavelmente fora dela, proteção irrestrita da arbitragem, adoração plena e integral dos companheiros, devoção da imprensa oficial (materializada nos Top 5 diários, nas propagandas e na escolha do número de jogos grandes para TV nacional) e independente (fadada a acompanhar, como testemunha, o “Making” do maior jogador da história). O que esperavam além de um espetáculo egocêntrico com requintes de reality show? Quer saber? LeBron fez foi pouco!
Não devemos esquecer, porém, o provérbio latino cantado à ingrata Renata que avisa que quem planta sacanagem, colhe solidão. Não nos enganemos com os flashes, os talentosos novos companheiros Wade e Bosh, o lendário Pat Riley que pode (deve, até) reassumir a equipe, as confortáveis poltronas que devem custar ainda mais caro nessa nova experiência de LeBron à beira-mar. A solidão, pela primeira vez, baterá às portas do menino, que vai jogar, enfim, longe dos camaradas de Akron, longe do agradável sotaque de Ohio mas que, mais que isso, pela primeira vez encontrará, em seu tour pela nação, a fúria dos visitados. Pois, ainda que o Miami domine e impressione a NBA, LeBron será visto como o inimigo no mínimo por 9 torcidas (além de Boston, LA e Orlando – que já contavam com certa hostilidade para o jogador, agora New Jersey, NY, a outra de LA, Chicago, a Toronto de Chris Bosh e claro, Cleveland). Isso sem contar as outras que podem, por solidariedade, assumir certa aversão ao jogador como algumas enquetes em sites gringos passaram a indicar após a polêmica escolha do craque.
Ainda que eu concorde com Rodrigo, que acredita que LeBron, com essa escolha, pode ter escolhido, indiretamente, um papel coadjuvante na história, não consigo ver isso com tristeza, decepção. No texto sobre a eliminação dos Cavaliers no próximo playoff, Bill Simmons, colunista da ESPN, escreveu (como lembrou na coluna de ontem) que LeBron poderia escolher entre a lealdade (Cleveland), vencer (Chicago) ou imortalidade (NY). Surpreso com o rumo das negociações, Simmons confessa que nunca imaginava que o rei pediria ajuda!
E é justamente esse o maior mérito de LeBron. Abdicar do trono, não porque se julga incapaz, mas porque acredita que um triunvirato (ainda que eu tenha todas as dificuldades do mundo em colocar Bosh no mesmo patamar que LeBron e Wade) pode sim lhe ser mais agradável. É a grande notícia dessa história toda! LeBron quer se divertir, quer impressionar e quer sim continuar sendo o rei da NBA. Mas ao escolher o Heat, manda um sinal que talvez não tenha tido coragem de dizer verbalmente aos seus treinadores e ao bufão presidente dos Cavs (sob a ameaça de ser considerado um covarde): “ei, tudo bem se eu não tiver a bola o tempo todo”. Se foi essa, não foi exatamente bem sucedida a estratégia. Independente do discurso de “estou fazendo isso em busca do título”, a leitura para quem gosta de pensar as coisas no ponto de vista da comparação só vai conseguir visualizar ele dizendo “sozinho eu não consigo vencer títulos”.
Triste noção, eu diria. Injusta, a começar pelo grandíssimo time que Cleveland montou ao seu redor na última temporada. Mo Williams, Anderson Varejão, Antawn Jamison e o envelhecido Shaquile O´Neal são jogadores de elite da NBA. Anthony Parker, Delonte West, Zydrunas Ilgauskas, são também bons jogadores e poderiam ser chegar ao título e, em nenhuma hipótese, LeBron poderia ser considerado “campeão sozinho”. Assim como, se for campeão no Miami, nada garante que LeBron não seja, mais uma vez, o destaque principal das conquistas. A chave da resposta talvez seja outra, não tão difícil de notar.
Que o problema sempre foi a idéia de que “há de se montar um time ao redor” do super craque, noção tosca de quem imagina que basquete é uma ciência exata e pouco atraente. A boa notícia é que, por vias tortas ou não, LeBron entendeu isso. Claro, terá de se reinventar. Antes da NBA, tratava-se de um jogador explosivo que misturava uma visão de jogo espetacular com um grande poder físico. As condições que enfrentou na NBA o transformaram em outro jogador, extremamente atlético, destemido e fadado à definição de quase todas as jogadas de seu time (coisa que, sinceramente, não acontecia na mesma medida nem em sua escola em Akron). Os holofotes e as expectativas sobre ele lhe traziam a fama e a grana, mas também dele exigiram ser o centro de tudo. Ufa! Isso acabou, ao menos, dentro de quadra. Para quem gosta de LeBron e do basquete coletivo, é a notícia do ano! Miami obrigará que tanto ele quanto Wade usem menos de sua principal característica mostrada na liga, o controle de basicamente todas as ações ofensivas da própria equipe, e explorem outras facetas de seu poderoso jogo. Ansioso, o basquete espera no que isso vai dar.
Provavelmente, Miami seria o único lugar onde isso seria possível. Talvez por isso o “projeto” Miami tenha atraído mais LeBron do que os demais. Todos lhe ofereceram o mundo. Em NJ, conquistar a Alexandria, em NY, derrubar Manhattan, em Chicago, se tornar Jesus, em LA, ser Caim, em Cleveland, ser o rei. Pat Riley foi mais esperto e o convidou para jogar basquete em Miami. Mais esperto que ele, só LeBron, que aceitou.