Ele entrou no ginásio do Tijuca no fim da tarde de segunda-feira, ainda com a quadra na penumbra, antes de acenderem as luzes. É assim, meio no escuro, que Gonzalo García desembarca no Brasil para substituir Paulo Chupeta no comando do Flamengo. Nos primeiros treinos, o técnico argentino se atualizou sobre o time e já sabe qual será seu grande desafio: injetar o estilo hermano numa receita tipicamente brasileira que vem dando certo nos últimos anos. A saída? Equilíbrio. Após o treino de segunda à noite, García bateu um papo com o Rebote à beira da quadra. Disse que pretende usar mais os pivôs, comentou o intercâmbio (de mão única) entre os dois países e recordou a dolorosa campanha do Pan-2007, quando comandou a seleção adulta.
– REBOTE – Você é um treinador da escola argentina e chega agora para treinar um time que encarna o estereótipo do basquete brasileiro, com ataque veloz, muitos arremessos e um cestinha que puxa o jogo. Como vai ser esse casamento?
– GONZALO GARCÍA – Não vou chegar agora e mudar tudo. Quero encontrar um equilíbrio e colocar um pouco do meu estilo. Mas vou aproveitar muita coisa, inclusive no esquema ofensivo, que é muito bom. A intenção é ir passo a passo. A diferença é que, no Brasil, se arremessa um pouco mais livre. Na Argentina a defesa é um pouco mais forte, às vezes dura até demais. Tirando isso, quero jogar mais com os grandes no garrafão, porque temos essa qualidade, e os nossos jogadores de interior no elenco têm características diferentes. Araújo (Bábby) e Átila são mais fortes, Jefferson e Guilherme Teichmann saem mais, são mais habilidosos.
>>> “Se o Marcelinho chutar de três, não tem problema, ainda que ele cometa algum excesso aqui ou ali. Porque ele é um atirador, tem muita qualidade. [...] O que não pode é o jogador que não tem essa característica ficar arremessando fora de hora. Quero que cada atleta entenda qual é o seu papel”
– Mesmo com essa força no garrafão, o Flamengo ainda é um time que aposta muito no poder do perímetro. Seu compatriota Rubén Magnano, quando chegou ao Brasil e viu jogos do NBB, reclamou do excesso de chutes de três no nosso basquete. Como pretende lidar com essa questão tendo no time o Marcelinho Machado, talvez o maior especialista do país nesse quesito?
– Se o Marcelinho chutar de três, não tem problema, ainda que ele cometa algum excesso aqui ou ali. Porque ele é um atirador, tem muita qualidade. Nem seria respeitoso da minha parte dizer como ele deve se comportar em quadra. O que não pode é o jogador que não tem essa característica ficar arremessando fora de hora. Quero que cada atleta entenda qual é o seu papel no elenco.
– Você tem um grande desafio pela frente. O que o fez aceitar a proposta e até onde pretende levar esse time na temporada?
– Em todos os clubes há responsabilidades. O objetivo é manter o Flamengo na vanguarda do Nacional e conseguir a classificação para a segunda fase da Liga das Américas. No dia 29 de dezembro recebi uma ligação de Carlos Duro [ex-assistente de Hélio Rubens no Vasco], perguntando se eu aceitaria. É uma grande equipe, certamente está entre as melhores das Américas.
[Nota do blog: O Flamengo chegou a convidar Carlos Duro, que não aceitou porque tem compromisso com o clube Los Índios e fez a ponte com Garcia. Sergio Hernández também foi sondado. Optou por cumprir seu contrato com o Peñarol até abril, mas deixou a porta aberta para voltar a conversar ao fim da temporada]
– O técnico Paulo Chupeta foi afastado porque havia um desgaste com o elenco. Você está chegando agora, vindo de outro país. Como fazer para conquistar a confiança do grupo?
– Com trabalho, não tem outro jeito. Se havia um desgaste, não há nada que eu possa fazer quanto a isso. Quero conversar com o Chupeta para colher informações sobre o time. Nos primeiros treinos, todos foram excelentes. São jogadores experientes treinando com muita disposição, como se fossem garotos do infantil.
>>> “Tomara que possamos ter também técnicos e jogadores brasileiros atuando na liga argentina, seria muito interessante”
– Além de você, temos o Nestor García no Minas, e jogadores como Facundo Sucatzky e Juan Pablo Figueroa, sem falar no Magnano na seleção. O quanto essa chegada dos argentinos pode enriquecer o basquete brasileiro?
– O que realmente enriquece bastante o basquete brasileiro nesse sentido é a presença do Magnano. Ele já deu um outro jeito para a seleção jogar. Nestor é um técnico internacional. Tem trabalhos muito bons, mas acho que, por ter rodado muito, já não é um técnico de estilo estritamente argentino. O intercâmbio é bom. Tomara que possamos ter também técnicos e jogadores brasileiros atuando na liga argentina, seria interessante para o nosso país.
– O time está treinando no Tijuca Tênis Clube. O ginásio da Gávea está passando por uma reforma, trocando o piso, e ainda há a opção da HSBC Arena, onde você já esteve para a disputa dos Jogos Pan-Americanos em 2007. Já sabe onde prefere treinar e jogar?
– Temos que nos adaptar às situações. No ginásio do Flamengo, estão trocando o piso. A Arena tem uma estrutura fantástica, mas precisamos nos adaptar ao que temos. Aqui no Tijuca temos uma quadra, duas tabelas e as bolas, é o suficiente para um treino de basquete [risos]. Então vamos ver.
– Falando no Pan de 2007, você era o técnico da Argentina naquela ocasião e perdeu a medalha de bronze num jogo sofrido contra o Uruguai, com cesta deles no último segundo do tempo normal e derrota na prorrogação. O que lembra daquele torneio?
– Foi muito difícil. A medalha de bronze estava na nossa mão, muito próxima, e deixamos escapar tudo em um arremesso. Foi uma experiência muito dolorosa. Minha recordação desse torneio certamente não é boa [risos].
– E esse jogo ainda terminou com uma confusão envolvendo Román González e o tio do uruguaio Garcia Morales na saída da quadra.
– É verdade. Mas isso acabou não tendo consequências mais graves, porque eles não chegaram a se machucar de fato, ainda bem. Em todo caso, é uma lembrança ruim.
– Agora você volta ao Rio numa situação bem diferente, morando no Leblon e treinando o clube de maior torcida do país. Como está encarando esse novo momento?
– Pois é. Antes de eu vir para cá, me falaram sobre a torcida, disseram que é a maior do mundo. Então vou trabalhar sem descanso. É claro que ainda é muito cedo para avaliar, mas estou muito feliz. Estou numa cidade linda, uma das melhores da América Latina, trabalhando num grande clube. Melhor não poderia ser. Espero que possa ser uma passagem com vitórias e conquistas.