Sucesso do MMA provoca reflexão sobre a violência na sociedade atual
Submissão nos ringues leva o público à loucura. Violência fascina humanidade há séculos, de várias formas
Alan Rodrigues e Ivan Marques | Redação CORREIO
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Está na TV, no jornal, na internet, impossível permanecer alheio. O MMA, ou artes marciais mistas, virou febre. Não que seja novidade ver homens se esmurrando em cima de um ringue, gaiola, octógono ou seja lá qual for o palco. Boxe, luta livre, cada um a seu tempo, já arrastaram multidões. Mas nunca o apelo foi tão massivo nem o contato tão explícito.
Daí, vem a dúvida. Seria o MMA violento demais? Estaria estimulando essa violência entre seus espectadores? Não cabe ao CORREIO decidir essa questão. Nem na nossa redação existe consenso. Mas o debate está lançado e, seja qual for sua opinião, a única certeza é que a polêmica não se encerra nestas páginas.
Canais exclusivos, vendidos em pacotes diferenciados, garantem faturamento e audiência. Para os não iniciados, a imagem de um combate desse tipo choca à primeira vista. Mas, tendo por base o comportamento humano e buscando referências na história da humanidade, não há nada que justifique tanto alarde.
Para o antropólogo Roberto Albergaria, todo esse sucesso não é novidade. Ele lembra da época dos gladiadores romanos e diz que a espécie humana é a mais violenta que existe.
“Nós destruímos todas as outras espécies de hominídeos (criaturas semelhantes ao homem) e os mamíferos de grande porte. Os que ficaram estão no zoológico ou são criados para serem comidos”, diz Albergaria.
Ele explica que a ritualização da violência remonta às tribos indígenas e que “toda sociedade tem lutas corporais”. Albergaria argumenta que a ideia de um mundo sem violência surgiu há menos de 300 anos, com a chegada da burguesia ao poder. “Antes do Estado monopolizar a violência através das polícias, as pessoas resolviam tudo na porrada”, enfatiza.
Deturpação
Para o professor de aikidô Renato Alcântara, a superpopularização do MMA gera uma mudança da imagem do produto arte marcial junto ao público, embora dentro de um conceito deturpado. Como consequência, ele prevê novas releituras de artes como na última década, a exemplo do capo-jitsu (capoeira e jiu-jitsu), yawara, novos estilos de aikidô, entre outros.
Para Renato, no entanto, “o público real de aulas de MMA é composto de praticantes sérios que desejam explorar o MMA. O público flutuante será muito grande, formado por pessoas que querem se afirmar ‘duronas’, mas que não vão aguentar fazer três aulas”.
Apesar dessa seleção natural, o professor de Educação Física da Uneb de Alagoinhas e doutorando em Educação Neuber Costa, ele próprio praticante de krav magá (defesa pessoal do exército israelense) e capoeira, alerta para uma perda dos aspectos filosóficos das artes marciais.
O educador revela apreensão, não quanto ao comportamento dos lutadores, pois “o verdadeiro artista marcial aprende a dominar seus impulsos”, mas no que se refere à audiência de eventos como o UFC, que, adrenalizada, tende a reproduzir a agressividade fora dos ringues e octógonos.
Esporte sim. Mas é show também
Entre os profissionais do MMA, a discussão também rende. Árbitro do UFC, o brasileiro Mário Yamasaki lembra o processo do MMA para virar esporte. “O vale-tudo, que foi por onde a coisa começou, nos anos 60, com a família Gracie, era um pouco brutal, porque não tinha muitas regras. Podia cabeçada e cotovelada”, conta. A modalidade, então, se lapidou nos Estados Unidos e tornou-se o MMA de hoje.
“Pra mim, é um superesporte. Reúne diversos esportes: boxe, muay thai, jiu-jistu, caratê, wrestling”, opina o treinador baiano Luiz Dórea, que trabalha com alguns dos maiores nomes da modalidade no Brasil e no mundo, como Anderson Silva, Rodrigo Minotauro e Júnior Cigano.
A entrada de Dórea, ex-técnico de Popó, no MMA aconteceu através de Minotauro, seu ex-aluno que, em 2003, o chamou para adaptar movimentos do boxe para o MMA.
“Na Champion (academia), tenho treinadores de muay thai, jiu jitsu, e sou o central. Treino o boxe para o boxe e o boxe para o MMA, usando a movimentação de perna do boxe olímpico, os golpes mais contundentes do boxe profissional. É uma mistura que tá dando certo”, explica.
Profissionalização
A declaração de Dórea evidencia que, dentro do MMA, as diversas artes marciais são praticadas com o objetivo do combate, da competição, diferente de quando uma pessoa procura uma arte para aprendê-la como um todo. Trata-se de aprender aquilo que será usado apenas no momento de uma luta.
Um sinal de profissionalização e visão comercial das artes marciais que pode ter impacto no futuro dos lutadores de boxe amador. “Não existe promoção de boxe profissional. O crescimento do MMA já fez ele ultrapassar o boxe”, aponta Dórea. “Atualmente, ou os lutadores permanecem no amador, onde ganham bem, ou passam pro MMA, se tiverem aptidões”, acredita.
A profissionalização do MMA aconteceu muito graças aos executivos do UFC, como Dana White, que transformaram uma prática (quase) sem regras em um esporte com apelo comercial. Nos primeiros eventos de vale-tudo, só não valia dedo nos olhos, mordidas e ataque na área genital. A violência nos combates levou o evento a ser banido de alguns estados americanos.
Agora, os lutadores, além de usar luvas, protetor bucal e genital devem seguir 31 regras que vão desde movimentos proibidos - como chute ou joelhada na cabeça quando o adversário estiver no chão e cotoveladas - até normas de conduta desportiva, como utilização de linguagem inapropriada e desrespeito aos árbitros.
“Não sei se era mais difícil. Era mais cru, sem regras. Hoje, com as regras, virou um show”, afirmou o lutador Royce Gracie, vencedor do UFC 1, à revista Veja. “O MMA hoje é uma febre mundial. A evolução foi fantástica”, declara Dórea.