Chineses questionam sua “máquina de medalhas”
Fabiano Maisonnave, de Pequim
Minutos após receber a medalha do ouro olímpico, o pai da atleta de salto sincronizado Wu Minxia lhe contou que sua mãe está com câncer de mama e que seus avós maternos haviam morrido há mais de um ano. “Aceitamos há muito tempo que ela não nos pertence”, justificou o pai. “Nem sequer ouso pensar em coisas como desfrutar a felicidade familiar.”
Com a medalha de prata no peito, o levantador de peso Wu Jingbiao disse, chorando, a um repórter: “Eu desonrei o meu país, eu desonrei o time nacional de levantamento de peso, eu desonrei todos os que se importam comigo”.
Na plateia, quando Li Xueying venceu o levantamento de peso na categoria 58 kg, o seu pai, soluçando, disse que não havia planejado comemoração: “Só quero vê-la imediatamente. Nós não nos encontramos há dois anos! Ela é minha filha, afinal de tudo.”
Treinado na Austrália, o bicampeão olímpico de natação Sun Yang custou aos cofres públicos 10 milhões de yuan (R$ 3,2 milhões) apenas nos últimos dois anos, segundo a imprensa chinesa.
O pai de Lin Qingfeng, outro atleta vencedor do levantamento de peso, disse à imprensa que não reconheceu seu filho de 23 anos na TV _há seis anos, não o encontra. Só percebeu que era ele ao ouvir o nome.
Faltando poucos dias para o final dos Jogos, grande parte dos chineses está certamente orgulhosa pelo desempenho do país, que vem mantendo a liderança no quadro olímpico. Mas, à medida que a competição avança e histórias como as de acima se espalham, muitos vêm questionando se o draconiano e caro sistema esportivo estatal traz benefícios para os atletas e para a população.
O sucesso olímpico chinês é fruto do ambicioso Projeto 119, criado em 2002, cujo nome reflete o número de medalhas de ouro que a China luta para conquistar. Inspirado no modelo soviético, recebe generosos recursos estatais e envolve uma rotina de treinamento excruciante com crianças de até 5 anos.
O esforço fez com que a China ganhasse 51 medalhas de ouro quando competiu em casa, há quatro anos, um número recorde na história das Olimpíadas. Neste ano, tem liderado no quadro de medalhas até agora.
Apesar dos números exitosos, as críticas são várias. Em entrevista à revista “Caixin”, o comentarista esportivo Guan Jun resumiu as principais: 1) o sistema do “tudo ou nada” tira a alegria dos atletas; 2) não há estímulos para esportes de massa e prática esportiva entre a população; 3) o controle estatal tem provocado casos de abuso de poder e corrupção; e 4) o sistema falha nos esportes mais populares, como futebol e nas provas de atletismo.
Nos microblogs, as críticas ao sistema vêm aumentando com o passar dos dias. Muitos dos que enviaram mensagens de apoio ao corredor de 110 metros com barreira Liu Xiang, que na quarta-feira tropeçou e se machucou de forma dramática no primeiro obstáculo, aproveitaram para criticar o programa estatal.
“Com este sistema de esporte nacional opressor, ele apenas tinha uma escolha _ganhar respeito se machucando”, escreveu um blogueiro, citado pelo jornal “New York Times”.
Mesmo na imprensa estatal há criticas. A versão em inglês do jornal “Global Times”, do Partido Comunista, publicou em seu site fotos dramáticas(
http://www.globaltimes.cn/content/725471.shtml) de crianças treinando ginástica, entre as quais algumas publicadas mais abaixo neste post (ATENÇÃO: IMAGENS FORTES).
Temendo uma onda de críticas, a censura chinesa passou a coibir reportagens negativas . Em instrução recente aos meios de comunicação do país, o Departamento de Propaganda determinou que, “ao reportar sobre as Olimpíadas de Londres, não levantem o tema do ‘sistema nacional’ novamente. Com a exceção de comentários na imprensa especializada, não desafie o sistema nem faça especulações sobre ele”.
Vale a pena?