Por marketing e contra bullying, padrão europeu tira espaço de apelidos no futebol
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RAFAEL REIS
DE SÃO PAULO
Se jogassem hoje, Pelé seria conhecido como Edson Nascimento, Zico assinaria Arthur Coimbra e Cafu traria Marcos Morais estampado na parte de trás de sua camisa.
As conversas de bar estão certas. O futebol brasileiro realmente está substituindo os apelidos que fizeram sua história pela nomenclatura à europeia: nome e sobrenome.
Diego Cavalieri, Marcos Rocha, João Schmidt. Não há um clube da Série A que não tenha pelo menos três jogadores conhecidos assim.
Levantamento feito pela Folha com 627 atletas dos 20 clubes da primeira divisão mostra que 117 deles (18,6%) adotam nome e sobrenome.
É o mesmo número de jogadores conhecidos por apelidos, diminutivos, aumentativos ou reduções de nomes.
Há 20 anos, no Brasileiro de 1993, os Mazinho, Müller, Catê e Roberto Cavalo representavam 27,8% do total. E os atletas que utilizavam nome e sobrenome, só 7,8%.
Em duas décadas, ser conhecido pelo sobrenome deixou de ser cool e ficou fora de moda. Por outro lado, a nomenclatura europeia virou in.
"Nas categorias de base do Vitória, falavam que eu parecia zagueiro europeu, então precisava de nome complexo. Tinha cabelo liso, cara de europeu", disse o defensor do time baiano Victor Ramos.
O zagueiro é dos que não se arrependem de adotar a nomenclatura da moda. "É bom para o marketing, abre mercados", afirmou.
Foi pensando nisso que o Inter, ainda na década passada, passou a recomendar que jogadores com sobrenomes que os identificassem como descendentes de europeus passassem a utilizá-los. Era uma estratégia para facilitar a venda de meninos com passaporte da União Europeia.
A prática caiu em desuso no time gaúcho, mas clubes de futebol ainda tentam controlar como seus jogadores devem ser conhecidos.
Há três anos, o São Paulo fez festa quando Marcelinho passou a ser chamado de Lucas, hoje no PSG, seu nome de batismo. Em 2013, tentou, em vão, fazer com que Mateus, lateral recém-contratado do Mogi Mirim, deixasse o apelido de Caramelo.
A cruzada anti-apelidos realizada há anos em suas categorias de base transformou as crias de Cotia no melhor exemplo da nova geração brasileira de jogadores. Uma safra com Rodrigo Caio, João Schmidt e Lucas Farias.
"A gente só interfere quando o apelido é pejorativo. O que ocorre tem a ver com o nível cultural. Os jogadores hoje são mais estudados e gostam de ser conhecidos do mesmo jeito que qualquer outro profissional", disse o superintendente de futebol do clube, Felipe Ximenes.
Será o fim dos apelidos no futebol? A doutora em letras Ana Poltronieri, da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), aposta que sim.
"O politicamente correto só vai aumentar na nossa sociedade. Se você analisar o próprio sistema educacional infantil, vai perceber que as escolas estão combatendo os apelidos, porque eles podem gerar bullying ou constrangimento", complementou.
Substituição dos apelidos pode acabar com uso de 'inhos'
RAFAEL REIS
DE SÃO PAULO
A substituição progressiva dos apelidos pelo uso de nomes e sobrenomes no futebol brasileiro pode acabar com um dos seus mais famosos bens de exportação: os inhos.
Ronaldinho, Juninho, Jorginho, Robinho. Jogadores de sucesso levaram para a Europa o sufixo usado como diminutivo na língua portuguesa.
A ponto de os próprios europeus o aproveitarem nos apelidos de jogadores com 'estilo brasileiro'. O meia-atacante alemão Mario Götze, do Bayern de Munique, por exemplo, era chamado no início da carreira de Götzinho.
Vinte anos atrás, 6,9% dos atletas da Série A carregavam o diminutivo ao lado do nome. Época em que Marcelinho começava a ser ídolo no Corinthians e que Ronaldo ainda era o Ronaldinho.
Hoje, os inhos representam só 4,2% do total dos jogadores do Brasileiro. E Ronaldinho, o gaúcho do Atlético-MG, se tornou um estranho no ninho das nomenclaturas.
Os ão, que nunca foram tantos assim, também sofreram uma ligeira queda. De 1,4% dos jogadores em 1993 caíram para 1,1% neste ano.